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As distinções entre feminilidades e masculinidades foram moldadas historicamente antes mesmo da interpretação dos sexos enquanto opostos e complementares. Até o século XVIII, na Europa, entendia-se que existia apenas um sexo anatômico, cujos exemplos mais perfeitos eram julgados como masculinos no nascimento e os menos perfeitos rotulados como femininos, pois não tinham se desenvolvido suficientemente bem. Sendo assim, o dimorfismo biológico serviu para legitimar cientificamente hierarquias que já existiam entre mulheres e homens, mediante a validação de visões dicotômicas a respeito das diferenças corporais, afetivas e comportamentais (LAQUEUR, 2001). Portanto, não existe uma dicotomia sexual que seja pré-social, mas sim discursos e práticas sobre gênero que a antecedem e a sustentam.
Gênero diz respeito a um conjunto heterogêneo e articulado de discursos, práticas e materialidades que podem funcionar tanto como tecnologias heteronormativas que ajustam, regulam e disciplinam corpos, como tecnologias de contestação às normas hegemônicas, que reivindicam modos alternativos de ser e estar no mundo (PRECIADO, 2014). O gênero atua como tecnologia uma vez que funciona como um sistema sociotécnico que conecta pessoas, artefatos, espaços e práticas, sendo este regulado por normas de funcionamento e regras de conduta (SANTOS, 2019). Sendo assim, o gênero enquanto tecnologia biopolítica, operacionalizado nas mais diversas instâncias (medicina, família, escola, mídia, ciências jurídicas e etc.), pode constituir tanto as estruturas de poder quanto integrar as possíveis frentes de resistência desse mesmo poder (PRECIADO, 2014). Pois, o gênero é aberto a intervenções, não resultando em determinismos, visto que não opera sobre corpos passivos (SANTOS, 2019). Portanto, a construção do gênero também se faz por meio da sua desconstrução, uma vez que não existe movimento que esteja fora da representação (DE LAURETIS, 1987).
Referências
DE LAURETIS, Teresa. A tecnologia do gênero. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de (org.). Tendências e impasses: o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994, p. 206-242.
LAQUEUR, Thomas. Inventando o sexo: corpo e gênero dos gregos a Freud. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001.
RETANA, Camilo. Las artimañas de la moda: hacia um análisis del disciplinamento del vestido. 2014. 304 f. Tesis de posgrado. Universidad Nacional de La Plata. Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación.
SANTOS, Marinês Ribeiro dos. Fala na “Mesa: Tecnologias de gênero – produções das subjetividades na sociedade contemporânea”. In: Congresso Internacional LGBTI+: Livres & iguais em dignidade e direitos. Curitiba: 15 de novembro de 2019.