Categoria
A história do design está inscrita na cultura material (FORTY, 2007), e estudar os objetos, interações sociais e culturais que desenvolvemos com eles, é uma estratégia para compreender como o design atua na produção de sentidos na sociedade. A cultura material tem como proposta estudar as relações entre pessoas e objetos e como as mediações, interações e tensões acontecem. As pesquisas sobre cultura material vêm ganhando reconhecimento como uma contribuição vital para algumas disciplinas e áreas estabelecidas, desde a arqueologia até o design (MILLER, 2013).
O design é uma atividade que compreende o planejamento e a produção de artefatos que integram o cotidiano dos sujeitos e participam das relações sociais e, portanto, não pode ser considerada uma atividade neutra. Na perspectiva de Adrian Forty (2007), o design não é compreendido como deveria: uma força econômica e de produção de objetos que possibilitam interações sociais. As concepções tradicionais que entendem o design como atividade responsável pela criação de objetos belos, ou que se reduz a um método de solução de problemas, minimizam a importância que os objetos têm no cotidiano das pessoas, assim como os aspectos econômicos e ideológicos do design.
Aqueles que se queixam dos efeitos da televisão, do jornalismo, da propaganda e da ficção sobre nossa mente esquecem a influência similar exercida pelo design. Longe de ser uma atividade artística neutra e inofensiva, o design, por sua própria natureza, provoca efeitos muito mais duradouros do que os produtos efêmeros da mídia porque pode dar formas tangíveis e permanentes às ideias sobre quem somos e como devemos nos comportar (FORTY, 2007, p.12).
O estudo de artefatos propicia a compreensão das especificidades humanas, que não estão desconectadas de sua materialidade (MILLER, 2007). Segundo Ulpiano de Meneses (1983, p.112), a cultura material pode ser entendida como “suporte material, físico, imediatamente concreto, da produção e reprodução da vida social”, na qual os artefatos são usados na construção de narrativas e na produção de sentidos. Para Francisco Ramos (2004), os objetos devem ser “lidos”:
Se aprendemos a ler palavras, é preciso exercitar o ato de ler objetos, de observar a história que há na materialidade das coisas.
Ademais, o universo dos objetos não se situa fora do fenômeno social, ou seja, não o reflete, mas o constitui. Pois, não existem significados culturais internalizados na consciência do indivíduo ou da coletividade que sejam produzidos em uma matriz que dispense a materialidade. Além de interpretar a história através dos livros, é plausível estudá-la por meio de objetos. Perguntar-se sobre nossas roupas comparando-as com as vestimentas da década de cinquenta ou da aristocracia francesa do século XVIII é, por exemplo, uma das questões que podem desencadear processos de sensibilização para a historicidade dos objetos com os quais lidamos no dia a dia. A cultura material funciona, por excelência, como um local que media relações humanas, sendo capaz de proporcionar uma herança cultural palpável às sociedades (REDE, 1996).
Logo, o mundo das coisas é realmente a cultura em sua forma objetiva, é a forma que os seres humanos deram ao mundo através de suas práticas mentais e materiais (SLATER, 2002, p.104). O design, portanto, se trata de ideias materializadas, influenciando os modos de agir e pensar da sociedade. Nesta perspectiva, os produtos de design mediam as relações sociais, transformando a sociedade e sendo modificados por ela. Sendo assim, o design pode ser compreendido como uma parte do processo dinâmico através do qual a cultura é construída e não apenas seu reflexo (SPARKE, 2004).
REFERÊNCIAS
FORTY, Adrian. Objetos de desejo: design e sociedade desde 1750. São Paulo: Cosac Naify, 2007.
MENESES, U. T. B. A cultura material no estudo das sociedades antigas. Revista de História, [S. l.], n. 115, p. 103-117, 1983. DOI: 10.11606/issn.2316-9141.v0i115p103-117. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/61796.
MILLER, Daniel. Consumo como cultura material. Revista Horizontes antropológicos, vol.13 no. 28. Porto Alegre: jul./dez., 2007.
MILLER, Daniel. Trecos, troços e coisas. Estudos antropológicos sobre a cultura material. Jorge Zahar Editores: Rio de Janeiro, 2013.
RAMOS, Francisco Régis Lopes. A danação do objeto: o museu no ensino de história. Chapecó: Argos, 2004.
REDE, Marcelo. História a partir das coisas: tendências recentes nos estudos de cultura material. Anais do Museu Paulista. São Paulo. v. 4, p. 265-282. jan/dez 1996.
SLATER, Don. Cultura do Consumo e Modernidade. São Paulo: Nobel, 2002.
SPARKE, Penny. An introduction to design and culture: 1900 to the present. London and New York: Routledge, 2004.