(Des)construindo o campo: transformações, reflexões e contestações nas teorias e práticas de design

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Dossiê Temático organizado por Lindsay Cresto (UTFPR) e Maureen Schaefer França (UTFPR) para revista Arcos Design.

Para acessar o dossiê, clicar aqui.

A presente edição celebra os 60 anos de existência da Escola Superior de Desenho Industrial (Esdi) como também os 25 anos de divulgação científica da revista Arcos Design. Para essa dupla comemoração, relembramos o significado do nome da revista Arcos Design, que faz referência à estrutura utilizada na construção de aquedutos, um dos elementos que fundamentaram a formação, a organização e o crescimento da sociedade brasileira. No Rio de Janeiro, o aqueduto construído no século XVIII para levar água do rio Carioca até o Largo da Carioca deixou de cumprir sua função primeira, porém sua estrutura permanece viva. E foi ali, ao lado dos Arcos da Lapa, que foi erguida a Esdi, a primeira escola de ensino superior de design do Brasil. A Esdi, criada a partir da importação do modelo curricular da HfG-Ulm, instituição alemã marcada por um pensamento projetual pretensamente “universal”, hoje acolhe vozes engajadas com a pluriversidade.

Assim como os arcos foram fundamentais para o desenvolvimento de diversas cidades e a formação da cultura brasileira, a Esdi e a revista Arcos Design contribuíram para a construção do campo do design no país. Sendo assim, no contexto de comemoração de ambas as instituições, se faz urgente discutir transformações, contestações e reparações ocorridas no campo do design no que diz respeito, sobretudo, aos seus aspectos políticos, históricos, sociais, econômicos e tecnológicos.

Narrativas conservantistas de design costumam restringi-lo à produção industrial, às concepções modernistas, ao chamado “good design”, à capacidade de “solucionar problemas” e às práticas realizadas por profissionais com formação acadêmica nas áreas de design e arquitetura. A eleição dos aspectos supracitados não é neutra, sendo mediada por visões de mundo, interesses, relações de poder e, não raras vezes, por apagamentos e desigualdades sociais. Nesta perspectiva, propomos ampliar o universo de investigação do design, podendo compreendê-lo como práticas e artefatos investidos de intenção e capazes de mediar a constituição de relações sociais. A maneira como o design é teorizado-praticado é importante, podendo dar relevo para aquilo que é considerado digno de ser investigado/produzido, mas também podendo restringir o acesso a determinados conhecimentos e modos de existência.

Nesta conjuntura, foram propostos alguns eixos temáticos na chamada desta edição, embora não houvesse obrigatoriedade em atendê-los. No entanto, é notável o diálogo entre os artigos e os tópicos de interesse indicados, inclusive, textos que interseccionam os eixos aventados.


No eixo Design e Cultura Material: discussões sobre produção, circulação e consumo de design a partir de perspectivas de gênero/sexualidade, raça/ etnia, idade/geração e/ou classe social, os artigos versam sobre as relações entre design e artefatos sob diferentes enfoques. Ana Claudia Camila Veiga de França analisa como as pessoas se relacionam com os artefatos, num jogo complexo e dinâmico de guardar, preservar memórias e relacionamentos, e também de despojar-se de afetos, memórias e experiências vividas. Em diálogo com as teorias do consumo e da cultura material, o artigo convida à reflexão sobre as narrativas biográficas, oferecendo perspectivas diversas sobre os usos e o impacto dos artefatos na vida das pessoas. Marco Takashi Matsuda e Ronaldo de Oliveira Corrêa refletem sobre as relações entre sujeitos e artefatos sob uma perspectiva de raça/etnia a partir do desfile e da exposição da coleção Yama (2021), idealizada pela designer de moda nipo-brasileira Fernanda Yamamoto junto aos membros de seu ateliê e à comunidade agrícola e autossustentável Yuba, criada no Brasil por imigrantes japoneses. Carina Seron da Fonseca e Cláudia Regina Hasegawa Zacar analisam como a mostra Janelas Casa Cor (2020) acionou questões fundamentais sobre os interiores domésticos, com janelas que serviram como mediadoras da relação dentro-fora no contexto do isolamento social. Noções como memória, saudades e a centralidade da família ganharam destaque nos projetos dos espaços, ressaltando a importância dos estudos da cultura material para a compreensão mais ampla do design sob as perspectivas de classe e gênero. Caroline Müller desloca-se dos principais centros comerciais do Brasil para pensar em fragmentos de consumo de moda na capital paranaense entre os anos de 1900 e 1920. A autora identifica espaços, práticas comerciais e tipos de roupas que moldaram novos modos de consumo estando estes articulados às tecnologias disponíveis no período e às novas sociabilidades, sobretudo, no que tange à presença feminina da elite curitibana nos espaços públicos.

Já no eixo Produções nas margens: práticas de resistência, perspectivas contra hegemônicas e atuação de minorias no design sob o enfoque de teorias feministas, decoloniais e antirracistas, o texto de Mayã Guimarães Isidoro e Cristiane Ferreira Mesquita aborda práticas menos hierarquizadas e mais permeáveis a saberes informais no campo do design. Para isso, elas analisam relações não-verticalizadas entre design e artesanato a partir do projeto de moda “Ponto Firme”, concebido pelo designer Gustavo Silvestre e realizado junto a homens em situação de cárcere, visando processos de ressocialização a partir da recuperação da autoestima e da autonomia. João Victor Brito dos Santos Carvalho e Antonio Takao Kanamaru analisam criticamente a trajetória de Anni Albers como artista e designer têxtil, desde os anos de formação na Bauhaus até a carreira no ensino na Black Mountain College. Anni Albers defendia um retorno às noções fundamentais acerca do uso do têxtil como uma linguagem própria e da prática da tecelagem, que já se mostravam muito bem articuladas nas práticas têxteis pré colombianas, estimulando debate sobre como essas culturas foram precursoras de questões adotadas pelo modernismo. O apagamento da produção de mulheres também é tema do artigo de Ana Julia Melo Almeida, com base nas trajetórias de Klara Hartoch e Martha Erps-Breuer. As duas designers possuem em comum a passagem pela Bauhaus e a invisibilização de seus trabalhos na historiografia do design. O artigo explicita como o gênero se apresenta como um modo de leitura para a compreensão das relações assimétricas de poder e também um elemento fundamental de sua organização social. Leticia Rodrigues e Luiz Ernesto Merkle discutem os processos de invisibilização de mulheres no desenvolvimento de jogos, em uma análise baseada na crítica feminista da ciência e tecnologia e do design, identificando as relações de gênero normativas que cerceiam os sujeitos que protagonizam as narrativas recorrentes sobre game designers e definições do que é considerado jogo. O artigo defende a adoção de epistemologias feministas da ciência e tecnologia com objetivo de observar relações de gênero naturalizadas em práticas de aprendizagem e construção do conhecimento
descontextualizadas e consideradas “neutras”. Kando Fukushima enfatiza o caráter político da produção de cartazes e sua respectiva circulação no espaço urbano. Nesta perspectiva, o autor analisa uma série de cartazes que circularam na cidade de Curitiba em 2021, durante um período marcado pela pandemia de Covid-19, pelo negacionismo científico e pelo fortalecimento da agenda conservadora, focando questões de saúde pública como
legalização do aborto, direito à vacinação e denúncias de insegurança alimentar. Ariadne Fernanda de Souza Grabowski e Ronaldo de Oliveira Corrêa propõem reflexões acerca do campo do imaginário, um espaço onde é possível atuar na luta antirracista. Para isso, eles analisam o projeto Tipos (2018), uma série constituída por intervenções plásticas realizadas pelo artista paulista Fernando Banzi, por meio da fotopintura digital, em retratos carte-de-visite de pessoas de ascendência e/ou origem africana feitos pelo fotógrafo teuto-brasileiro Alberto Henschel em 1860. A série, que possibilita reflexões sobre práticas de resistência, pode ser compreendida como um meio de conferir “direito à subjetividade” às mulheres e aos homens escravizados, embora seja transpassada por contradições.

No eixo Design e educação: reflexões, desafios e experiências, o texto de Leo Name propõe um esboço de desobediência projetiva para o ensino de arquitetura como resposta crítica ao racismo epistêmico que exerce influência sobre processos de ensino-aprendizagem, que acabam por reiterar aspectos eurocêntricos e elitistas na projetação de modos de morar. Para isso, o autor aponta estratégias apoiadas em aportes decoloniais e em algumas formas de desobediência (civil, epistêmica e tecnológica), argumentando que projetar e fazer design são modos de pensar que todas as pessoas possuem, não importando sua formação específica. Juliane Brito Scoton e Carolina Calomeno propõem transformações em processos educacionais a partir do protagonismo discente. Para isso, elas relatam a experiência da disciplina optativa Introdução à Ilustração Botânica, realizada na graduação em Design Gráfico da UFPR. A estratégia pedagógica abarcou a construção de um Plano de Ensinagem colaborativo, com abordagem centrada no corpo discente a fim de fomentar seu protagonismo. Yasmin Menezes, Felipe Grassine e Guilherme Altmayer analisam as principais referências da Ergonomia, de Dreyfuss à Iida, que operam a partir de uma perspectiva binária de gênero. Ao analisar a literatura da área, argumentam que o design pode reforçar discursos patriarcais, sexistas que colaboram na manutenção de prescrições normativas. A proposta do texto é um olhar queerizado para as bibliografias utilizadas nas disciplinas do design, abrindo espaço para representações não normativas. Cláudia Regina Hasegawa Zacar, Hadassa Demenjeon Jaco e
Julia Raniero Pandini traçam considerações acerca do ensino de design e o uso de perspectivas feministas, com destaque para abordagens adotadas no ensino de design, como interseccionalidade e queer. As práticas de ensino e aprendizagem são baseadas em princípios vinculados aos ideais modernos de funcionalidade, eficiência e progresso. Nas perspectivas feministas os currículos podem ser questionados e revisados, em busca da superação
de um modelo de educação em design pautado por ideais modernos e valores eurocêntricos, com perspectiva crítica, evitando que designers reproduzam desigualdades sociais por meio de sua prática.

Neste número, contamos com a colaboração de 38 pareceristas e cerca de 40 artigos submetidos. Foram selecionados quatorze artigos completos desenvolvidos por pesquisadores/as com mestrado e doutorado das universidades brasileiras EACH-USP, ESDI-UERJ, FAU-UFBA, FAU-USP, Universidade Anhembi Morumbi, UFPR e UTFPR que contribuem para (des)construção do campo do design a partir de discussões acerca de transformações, contestações e reparações nas teorias e práticas de design.

A revista Arcos Design, Volume 16, no 2, se manteve atenta às novas temáticas do campo de design no compromisso de abrir frentes interdisciplinares e espaço para as diversas vozes

Boa leitura!

Lindsay e Maureen

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