Jesús Ruiz Durand, designer peruano

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1) Introdução

O design, enquanto comunicação visual, existe desde o momento em que as pessoas passaram a se expressar e se comunicar por meio de sinais e figuras. No Peru, por exemplo, as Linhas de Nazca – geoglifos produzidos no deserto do centro-sul do país pela civilização Nazca pelo menos desde a Idade Antiga – representam animais, plantas, formas humanas e míticas que podem ser observadas, inclusive, do espaço. Assim como as Linhas de Nazca, ilustrações feitas por cronistas gráficos como Guamán Poma de Ayala também fazem parte da história do design peruano. Em seus desenhos do século XVI, Guamán representou aspectos da vida cotidiana após a colonização do Império Inca. Na era da industrialização, o design gráfico peruano adotou muitas referências do design estadunidense, reiterando a influência política, econômica e cultural dos EUA sobre a América Latina.

2) Ditadura civil-militar no Peru

A ditadura militar peruana (1968-1980) tem especificidades que a diferencia das demais ditaduras civis-militares latino-americanas. Durante a ditadura do general Juan Velasco Alvarado (mandato presencial: 1968-1975) buscou-se colocar o país nos trilhos do desenvolvimento capitalista, entretanto, o regime também apresentou certa medida de perspectiva progressista. Pois, são desse período as iniciativas de reforma agrária, a organização dos trabalhadores e dos movimentos sociais, tendo sido estes possibilitados como forma de conter as ondas reivindicatórias e a forte influência das organizações de esquerda sobre a classe trabalhadora.

3) Jesús Ruiz Durand e o Pop “Achorado”

O designer Jesús Ruiz Durand, nascido em 1940 na cidade de Huancavelica, no Peru, foi o principal autor de cartazes de distribuição massiva que difundiram as reformas culturais, políticas e sociais da chamada “Revolução Peruana”, encabeçada em sua primeira fase (1968-1975) pelo general Juan Velasco Alvarado. Sendo assim, na época da ditadura de Alvarado, o design tornou-se paradoxalmente uma ferramenta de comunicação encabeçada por artistas gráficos revolucionários.

Os cartazes de Jesús Ruiz Durand – que integrou o Sistema Nacional de Apoio à Mobilização Social (SINAMOS) – são marcados pelo estilo do artista estadunidense Lichtenstein e foram desenhados, sobretudo, entre 1969 e 1971. Estes cartazes tiveram grande função na divulgação de ações governamentais relacionadas à reforma agrária, que expropriou terras de grandes proprietários, as distribuindo entre camponeses peruanos. O artista usou o lema “! Camponês, o patrão não vai mais comer a sua pobreza!”, frase que marcou a ditadura da época e foi primordial para as resistências camponesas.

A figura do cacique indígena Túpac Amaru II foi apropriada e reformulada graficamente por Ruiz Durand, sendo assumida como símbolo e emblema pelo dito regime. O designer desenvolveu uma técnica fotomecânica que simulava ilusões de óptica, cuja representação máxima é o cartaz de “190 anos depois, Túpac Amaru está vencendo a guerra”, criado em julho de 1968 para promover a reforma agrária impulsionada pelo regime de Alvarado.

Em 1984, Ruiz Durand usou o termo “pop achorado” para designar a estética que reutiliza procedimentos da vanguarda cosmopolita, como a op e a pop art, a partir de temas e motivos nacionais. Ademais, a palavra “achorado” parece estar articulada a uma atitude afrontosa e desafiadora das camadas não-privilegiadas com relação ao status quo.

Em entrevista, Ruiz Durand relembrou que eles atravessaram o ano de 1968, vivenciando:

“uma espécie de cúpula de preocupações juvenis: anti-guerra, drogas psicodélicas, revolução de Mao, Che Guevara. Então houve uma espécie de efervescência de criatividade e renovação, e tudo estava em plena floração. Naquela época o pop americano e inglês era nosso pão de cada dia, era a arte que [consumíamos], e vorazmente. Foi neste contexto que me foram confiados os cartazes, e lembro-me que tinha uma ideia muito clara de que estes cartazes exigiam uma mensagem urgente, imediata, entusiasmada. Não tive tempo de elaborar muitas ideias: era só pensar que eram cartazes de rua, rústicos, de grande circulação. Por que não usar a técnica dos quadrinhos?, disse a mim mesmo então, quem não conhece essa linguagem? Foi assim que recorri a imagens de cores planas, capazes de comunicar apesar da agressão do tempo; capaz de ser impresso com a mais precária tecnologia. Mas havia algo ainda mais importante. Essa técnica me permitiu usar imagens documentadas em campo: todos os cartazes foram baseados em fotos que tirei dos camponeses em seu próprio contexto, depois redesenhados à mão como se fossem histórias em quadrinhos.”

Poster da série Reforma Agrária Peruana (1968-73), impressão em offset. Alguns cartazes foram impressos com 50×70 cm e outros com 100x70cm.

O governo fez uso de tais cartazes de modo a mobilizar e receber apoio da maioria da população peruana. Além de Ruiz Durand, outros artistas, designers e escritores participaram dessa empreitada como Mirko Lauer, José Bracamonte, Emilio Hernández Saavedra e jese Adolph.  Ruiz Durand e seus colegas queriam criar uma imagem revolucionária que se  afastasse dos padrões russos e chineses, aproximando-se da arte revolucionária que havia sido utilizada em cartazes cubanos e chilenos, mas combinando-a com a iconografia andina e temas nacionais, onde camponeses deveriam ter um papel diferenciado, afastando-os de representações ligadas a ideia de servilismo que os acompanhavam até então.

Poster da série Reforma Agrária Peruana (1968-73), impressão em offset. Alguns cartazes foram impressos com 50×70 cm e outros com 100x70cm.
Poster da série Reforma Agrária Peruana (1968-73), impressão em offset. Alguns cartazes foram impressos com 50×70 cm e outros com 100x70cm.
Poster da série Reforma Agrária Peruana (1968-73), impressão em offset. Alguns cartazes foram impressos com 50×70 cm e outros com 100x70cm.

Ruiz Durand participou de vários projetos de comunicação considerados referências em seu gênero no país como os cartazes e fotografias da série Reforma Agrária Peruana (1968-73) – exposta acima – e as revistas culturais Amaru, Textual Education, Martin (1967-2017). Além de artista visual e designer multimídia, Ruiz Durand é professor universitário  de pós-graduação e pesquisador em iconografia pré-colombiana, promotor e produtor cultural e autor de inúmeros logotipos de empresas privadas e estatais em uso atual. Ele combina sua formação acadêmica em matemática e física com seus interesses em filosofia e estética.

REFERÊNCIAS

https://www.bbc.com/portuguese/internacional-50473002

https://www.malba.org.ar/jesus-ruiz-durand-sobre-su-serie-de-afiches-reforma-agraria/?v=diario

https://artishockrevista.com/2022/02/23/jesus-ruiz-durand-revolver-ny/

https://www.museoreinasofia.es/en/collection/artwork/azucar-primera-industria-sin-patrones-continente-americano-sugar-first-industry

Conteúdo produzido pelas estudantes Aimee Okamoto, Georgia Mantovani e Maria Heloísa de Queiroz com colaboração da profa. Maureen Schaefer França para a atividade "Design Gráfico na América Latina", realizada na disciplina História das Artes Gráficas (Curso de Tecnologia em Design Gráfico), no primeiro semestre de 2021, sob orientação da profa. Maureen Schaefer França.
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