O design também é político

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Parafraseando Paulo Freire, não se pode falar de design sem amor.

Design é verbo e substantivo. Design, enquanto verbo, diz respeito ao ato de projetar. Design, enquanto substantivo, refere-se aos artefatos em si, ou seja, às consequências das condições do projeto. Logo, a conjunção das atribuições do design enquanto verbo e substantivo em uma única palavra expressa o fato de que são inseparáveis e de que nós, enquanto designers, somos responsáveis por aquilo que colocamos em circulação.

O design costuma ser associado ao luxo e à inovação, mas ele é muito mais cotidiano do que às vezes imaginamos. Nós acordamos num design, vestimos um design, tomamos café num design, escovamos os dentes num design. O design pode ser tão familiar para nós que pode se tornar invisível, parecendo algo natural, desamarrado das relações de poder, como se simplesmente tivesse que ser assim.

Brevemente, exponho algumas provocações na tentativa de tensionar a naturalização do design. Por exemplo, será que as mesmas toucas de natação usadas por pessoas de cabelo liso funcionam para pessoas com dreadlocks? Por que durante algum tempo as roupas femininas não tinham bolsos e as masculinas sim? As pessoas com daltonismo conseguem distinguir as linhas de metrô em um mapa?

Neste momento, mais importante do que essas respostas, é a minha intenção de sublinhar que o design não é uma atividade neutra, podendo fazer valer as necessidades de um pequeno grupo sobre a maioria, cujas carências, muitas vezes, são deixadas de lado, reiterando desigualdades sociais.

O design não é apolítico, pois é construído socialmente num tempo e lugar específicos, estando imerso numa rede de interesses culturais, econômicos e políticos, podendo trazer benefícios, mas também malefícios para a sociedade.

Neste sentido, podemos nos lembrar tristemente de vários exemplos presentes na história do design como

-a representação de pessoas negras como seres subservientes, marginalizados e animalizados;
-a demonização de inimigos de guerra que prejudicou um grande contingente de civis;
-a representação de mulheres como pessoas submissas e objetificadas sexualmente.

O que fundamenta estas criações? Que pessoas são privilegiadas por estes designs? E quais são prejudicadas por eles?

O design, portanto, pode ser criado e usado de maneira ofensiva, sem qualquer empatia com as necessidades e as subjetividades alheias.

Em 1964, diversos designers assinaram o manifesto “Primeiro, as coisas mais importantes” para que seus conhecimentos fossem usados de maneira relevante. Em 1999, o manifesto foi atualizado na expectativa de que não se passasse outras décadas sem que ele fosse levado a sério. Estes manifestos nos recordam que é necessário estabelecermos produtos mais democráticos e duradouros, que promovam a equidade social, a sustentabilidade e uma maior consciência de mundo.


O que me leva novamente à Paulo Freire: Não existe imparcialidade. Todos são orientados por uma base ideológica e ela se materializa no ato de criação e consequentemente nos artefatos. Sendo assim, o nosso design é inclusivo ou excludente? Temos tido responsabilidade social no ato de projetar? Temos buscado tensionar as desigualdades sociais? Temos projetado com amor e empatia?


Neste sentido, penso ser fundamental partirmos do princípio que somos eternos aprendizes; que devemos procurar ouvir mais os outros, sobretudo, as pessoas marginalizadas da sociedade antes de estabelecermos julgamentos; e que a humildade e a compaixão constroem pontes.
Se nós escolhermos ouvir aqueles que não costumam ser ouvidos e procurarmos trabalhar conjuntamente com eles, muito mais pessoas poderão ser beneficiadas pela realidade que nós ajudamos a transformar. 

Em um período tão difícil para o nosso país, no qual, infelizmente, o sentimento de desilusão tende a nos invadir, não poderia então deixar de falar sobre o amor, a esperança e a nossa responsabilidade como designers na construção de um mundo com menos injustiças e desigualdades sociais.

Texto: Maureen Schaefer França - a partir do seu discurso quando paraninfa das turmas dos cursos de Design da UTFPR (abr. 2018).
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