Existe proteção legal para imagens de minorias culturais?

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COOMBE, Rosemary J. is there legal protection for cultural imagery? In: HELLER, Steven; FINAMORE, Marie (eds.). Design culture. An anthology of writing from the AIGA Journal of Graphic Design. New York: Allworth Press, 1997, p. 16-19.
Versão resumida traduzida por Maureen Schaefer França.

Designers gráficos trabalham em um ambiente moldado por leis de propriedade intelectual que mercantilizam, protegem, licenciam e regulam o uso das imagens nas quais se baseiam. As leis de direitos autorais, marcas registradas e direitos de publicidade, no entanto, são tão rotineiramente violadas quanto aplicadas. Além disso, nem todas as imagens são legalmente protegidas contra usos não autorizados e isso pode ser uma preocupação para muitas minorias culturais.

As leis de propriedade intelectual são baseadas em princípios liberais, individualistas, nascidos das certezas iluministas e legitimados pelas ideologias românticas. O eurocentrismo dessas premissas (supostamente universais e neutras) muitas vezes serve para desvalorizar expressões criativas produzidas coletivamente, intergeracionalmente e em mídias unifamiliares – muitas vezes produzidas por aqueles com tradições culturais não-europeias. Como consequência, embora muitas imagens possam estar legalmente disponíveis para uso público, o uso não autorizado pode ofender a sensibilidade e as normas das pessoas que originam as imagens. A ética e a política de apropriação de imagens de outras culturas são de fato complexas e demandarão cada vez mais a atenção de designers gráficos à medida que novas formas de mídias de comunicação tornam imagens de cantos cada vez mais distantes do globo prontamente disponíveis para adaptação e inclusão em trabalhos gráficos.

As leis de direitos autorais protegem os produtos criativos de autores individuais (na lei de direitos autorais, todos os criadores são considerados “autores”), retratados como indivíduos autônomos cujas criações são apenas produtos da originalidade de uma imaginação irrestrita. Marcadas pelas personalidades únicas dos autores, as expressões que se originam de suas atividades e são fixadas por meio de formas materiais são consideradas de sua propriedade. A lei pressupõe que as “ideias” estão sempre disponíveis para apropriação, mas as “expressões” são propriedade de quem as inscreve ou imprime. Ou seja, desde que os autores não copiem os trabalhos expressivos de outros, eles são livres para encontrar sua inspiração, ideias, temas, motivos e elementos de design em qualquer lugar que desejarem e incorporá-los em seu próprio trabalho. Qualquer restrição à sua capacidade de fazê-lo é vista nas democracias liberais como uma restrição inadmissível à liberdade de expressão. O individualismo possessivo e a democracia liberal são assim mutuamente afirmados.

O individualismo romântico que permeia essa lei certamente foi criticado, especialmente por aqueles influenciados pela antropologia, sociologia, marxismo e pós-estruturalismo. Para eles, todas as formas expressivas são produzidas em contextos sociais, sendo assim, temas, motivos e elementos de design são convencionalmente definidos. Entretanto, formas artísticas só são reconhecidas como arte em determinadas condições sociais. Sendo assim, muitas formas de atividade expressiva não são reconhecidas como resultados de práticas artísticas, embora envolvam criatividade significativa (desenhos de colchas transmitidos através de gerações, motivos de tatuagens, modelagem colaborativa de trajes rituais). Todas as ideias, sugerem os críticos, chegam até nós através de meios de expressão e é a circulação de tais expressões que fornece grande fonte de inspiração criativa.

As leis de direitos autorais tentam impedir que artistas reproduzam o trabalho de outros, tornando muitas “artes de apropriação” abertas a possíveis ações judiciais. Entretanto, a ênfase legal na expressão individual e a exigência de uma forma fixa permanente deixa muitos produtos artísticos desprotegidos e, portanto, disponíveis para incorporação no trabalho dos designers. Embora seja tentador ver esse aspecto do direito como um espaço de liberdade, para muitos ele resulta em exploração e expropriação. Desenhos criativos produzidos por coletivos, em contextos rituais, ao longo de gerações, ou não fixados em formas reconhecidas (como as tendas de “cerimônias de purificação” e a “dança do sol” – eventos praticados por povos originários da América do Norte), podem ser arrancados de contextos ancestrais e sagrados para serem incorporados a projetos alheios. Uma mulher na Índia, por exemplo, pode criar um desenho elaborado em uma peça de barro em frente à sua casa diariamente, usando padrões e habilidades passadas de mãe para filha ao longo de gerações. Ao meio-dia, o desenho terá desaparecido. Caso um artista visitante se depare com a criação, esboce ou fotografe o desenho, e posteriormente o utilize na capa de uma reportagem anual como base para uma estampa têxtil, ele será considerado seu autor. Tais atividades podem produzir intensos sentimentos de violação em certas comunidades, onde formas criativas podem servir a propósitos distintos, sendo partes integrantes da identidade de uma “linhagem” ou da herança de um povo. A lei permite que as expressões de algumas pessoas se tornem disponíveis como ideias para a apropriação de outras e pode proteger o apropriador quando as expressões são incorporadas a uma obra expressiva legalmente reconhecida.

As leis de marcas registradas apresentam outros dilemas. Uma marca registrada é uma imagem, logotipo, design, nome de marca ou qualquer outro símbolo capaz de distinguir seus produtos ou serviços no mercado. Uma marca registrada não pode ser simplesmente descritiva; por exemplo, não se poderia obter direitos exclusivos do uso do termo “Sweet” para peras ou balas. Em vez disso, a lei exige que uma marca seja sugestiva ou “fantasiosa” como “Smarties” para doces ou “Sweet” para pneus. Tais marcas são legalmente consideradas “distintivas”. Uma vez que um fabricante estabelece direitos legais a uma marca por meio do marketing e do reconhecimento do consumidor, ele pode impedir que outros usem legalmente a mesma marca ou uma marca semelhante, com base no fato de que ela será confusa para o público ou que a distinção de sua marca será “diluída” pela reprodução da marca em contextos não autorizados.

Em sua busca por distinção em mercados competitivos, não é de surpreender que designers de marcas tenham procurado locais cada vez mais “exóticos” para encontrar formas significantes que ainda não estão em uso comercial. Essa prática pode ser vista como uma violação invasiva por aqueles cujas formas culturais são mercantilizadas e investidas de significados estranhos por outrem. Por exemplo, imagine a consternação dos Sioux quando um fabricante de cerveja usou o nome de seu reverenciado ancestral “Crazy Horse” para comercializar licor de malte. Dada a devastação causada pelo álcool em muitas comunidades indígenas, era extremamente ofensivo ter o nome de um grande líder usado dessa maneira. Muitos nativos experimentam grande dor quando veem cocares de penas de seus ancestrais, suados com muito esforço e ritualmente dotados, produzidos em massa como estereótipos para comercializar tudo, de cerveja a seguros.

Para designers gráficos, o campo das marcas apresenta duas fontes potenciais de dilemas éticos, principalmente quando as tendências do design se afastam de símbolos abstratos em direção a designs derivados de fontes vernáculas. Por um lado, designers podem optar por desrespeitar a lei deliberadamente, usando marcas registradas de grandes corporações em obras transgressoras a fim de criticar atividades corporativas, assumindo riscos legais ao fazê-lo. Por outro, a liberdade legal que se tem para usar motivos, desenhos, imagens e signos visuais extraídos de minorias culturas também apresenta aos designers um dilema ético. Sem saber nada sobre as tradições, modos de vida e lutas políticas daqueles que originaram as imagens, designers gráficos podem produzir trabalhos inócuos ou meramente insensíveis. Essas apropriações podem ser experimentadas como insultos, se não graves afrontas, para pessoas para quem essas formas expressivas têm histórias e tradições que atendem a importantes necessidades sociais e políticas. Nossas tradições jurídicas são baseadas em premissas particulares que podem não fazer justiça aos valores, normas e aspirações das minorias culturais.

Rosemary Coombe é uma antropóloga e advogada canadense e atua como professora na Universidade de York. O trabalho de Coombe aborda implicações culturais, políticas e sociais das leis de propriedade intelectual e cultural em contextos moldados por governamentalidades neoliberais. Ela está especialmente interessada em direitos indígenas internacionais, prática de patrimônio cultural e questões pós-coloniais.
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