A criação da marca do Black Panther Party (BPP) (1) nos ajuda a tensionar visões rígidas e pensar sobre hierarquias sociais e apagamentos. A marca gráfica é anterior ao BPP (1966-1982), tendo inclusive batizado o nome do partido, que foi constituído na esteira do Movimento dos Direitos Civis dos Negros nos Estados Unidos. Stokely Carmichael, que algum tempo depois viria a se tornar ativista e figura importante do BPP, era líder do SNCC, uma organização estudantil que buscava combater o racismo de forma não-violenta e transformar o LCFO (Lowndes County Freedom Organization) em partido político. O LCFO, que depois também será incorporado ao BPP, visava aumentar a representatividade negra em cargos públicos, mas para isso precisava de uma marca gráfica, uma vez que a lei do Alabama exigia a presença de símbolos partidários nas cédulas eleitorais. Esta marca se tornaria então o símbolo do BPP.
Em 1965, Carmichael procurou Dottie Zellner (2), integrante do SNCC, pois sabia que a mesma tinha frequentado a High School of Music and Art. Dottie, mulher branca e judia, foi criada por pais esquerdistas que procuraram conscientizá-la a respeito das desigualdades sociais. Apesar disso, a atuação de uma mulher branca na produção da marca de um partido antirracista causa certo estranhamento, visto que ela não passou por tentativas sistemáticas de desumanização, tendo sua cultura ancestral negada e destruída. Contudo, Dottie não teve muita liberdade de criação, executando apenas uma ideia que já havia sido elaborada previamente e solicitada por Carmichael: a pantera negra. O animal escolhido era uma resposta ao símbolo racista do Partido Democrata do Alabama (galo branco) e seu slogan: “Supremacia branca/para o que é certo”. A primeira tentativa de Dottie não agradou Carmichael, que recorreu a Ruth Howard (3), mulher negra membra do SNCC, que executou a segunda alternativa, se baseando na mascote da Clark College. Esta alternativa foi aperfeiçoada por Dottie (4) e circulou por várias cidades, sendo transformada ao longo do tempo, resultando em diversas panteras “oficiais” (5).
A marca, então apropriada pelo BPP, foi adaptada por Lisa Lyons (mulher branca que produziu impressos para diversos movimentos sociais) para a criação de material gráfico para o dia do Poder Negro no final de 1966 (6). Peças gráficas possivelmente feitas por Lisa, uma vez que lembram a linguagem empregada em cartazes do Atelier Populaire – uma das suas influências – foram atribuídas a Emory Douglas (7), que viria a integrar o BPP como Ministro da Cultura apenas em 1967, produzindo materiais icônicos como cartazes e o jornal The Black Panther (8) – para saber mais, acessar: https://teoriadodesign.com/emory-douglas/. A grande visibilidade de Douglas possivelmente apagou o nome de Lisa e das demais. Além disso, a valorização da ideação com relação à execução é transpassada por hierarquias de gênero, sendo a primeira prática associada histórica e culturalmente ao trabalho mental e às masculinidades e a segunda ao trabalho manual e às feminilidades – visão que depreciou e/ou apagou a contribuição de mulheres designers em registros históricos.
“Escolhemos para o emblema uma pantera negra, um belo animal preto que simboliza a força e a dignidade dos negros, um animal que nunca ataca até que ele esteja acuado e não tenha nada a fazer se não se defender. E quando ele ataca ele vai até o fim.” – Carmichael
Texto: Maureen Schaefer França