Cadê as pessoas negras no Design? (série 2)

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O Instituto Americano de Artes Gráficas (AIGA) acompanha as transformações da indústria do design por meio de censos, realizados desde 2016, com profissionais da área. Em 2019, o Design Census foi desenvolvido pela AIGA em parceria com a Google para funcionar como um recurso aberto e colaborativo a fim de compreender fatores econômicos, sociais e culturais que têm moldado a prática do design atualmente nos Estados Unidos.

O Censo de 2019 foi disponibilizado ao público durante cinco semanas a partir de 1º de abril, tendo sido compartilhado com membros da AIGA e participantes da Conferência de Design da AIGA, bem como com a comunidade de design mais ampla dos Estados Unidos por meio de mídias sociais e publicidades pagas. Nos próximos anos, a AIGA espera estender o Censo de Design para o resto do mundo.

No censo de 2019, cerca de 9400 designers nascidos/residentes nos Estados Unidos responderam perguntas a respeito dos mais variados tópicos como idade, gênero/sexualidade, raça/etnia, formação, tipo de emprego, área de atuação, horas trabalhadas semanalmente, salário, benefício, estabilidade, satisfação e etc.

Conforme o respectivo censo, o design tem sido colocado em prática, em grande medida, por pessoas autodeclaradas brancas, correspondendo a 71% dos designers consultados no ano de 2019. Já afro-americanos representaram apenas 3% dos profissionais de design entrevistados. Apesar disso, o censo de 2019 com relação ao de 2017 parece mostrar pequenos avanços, uma vez que em 2017, 73% da indústria era composta por designers brancos. Em contrapartida, o Censo 2019 não considerou intersecções entre salário, tipo de emprego e área de atuação com a categoria raça/etnia, interditando parte das informações a respeito das desigualdades raciais no campo do design.

No texto “Black designers: missing in action”, publicado em 1987 por Cheryl Miller, a designer destacou as barreiras econômicas enfrentadas pela população negra estadunidense – sendo esta, em grande medida, composta pela classe trabalhadora – a respeito da atuação no campo do design. Cheryl enfatizou as dificuldades econômicas vivenciadas pelas pessoas negras para ingressar em universidades particulares, visto que instituições públicas, não raras vezes, possuíam instalações defasadas e baixo orçamento para abertura de cursos como o de design. Ela também salientou: a falta de apoio familiar com relação à opção pelo curso de design, associado ao campo artístico e à insegurança econômica; a rede de contatos mais restrita para indicações, conselhos e inspiração; e a própria estrutura racista.

Mais de 30 anos depois da publicação do artigo de Cheryl, as barreiras econômicas e raciais ainda persistem no campo do design. No Design Census 2019, o professor e diretor de arte Mike Tully relata as dificuldades enfrentadas por pessoas de camadas sociais desfavorecidas para ingressar em universidades privadas, custear ingressos de eventos, efetuar assinaturas de softwares e etc.

No Brasil, país no qual boa parte da população negra também faz parte das camadas menos favorecidas – situação historicamente conectada à escravidão, não há cursos de Design em todas as instituições públicas. Ademais, por mais que o curso seja gratuito não significa que a classe estudantil estará dispensada de outros investimentos como computadores capazes de rodar softwares específicos, scanners, impressões entre outros tipos de materiais. Além disso, a desigualdade racial não está implicada apenas nas barreiras econômicas com relação ao acesso à educação, uma vez que também pode ser operada dentro de ambientes acadêmicos ao isolar e desqualificar corpos negros.


A priori, no Brasil, ainda não temos dados estatísticos a respeito da composição étnico-racial da classe discente e docente dos cursos de design como também de outros setores da indústria do design. Mas, até 1997 apenas 1,8% da juventude negra entre 18 e 24 anos havia frequentado uma universidade. As políticas públicas em torno do direito universal de acesso ao ensino, principalmente superior, começaram a ser reivindicados, então, pelo movimento negro.
Antes mesmo da Lei de Cotas (n° 12.711), oficializada em 2012, algumas universidades já vinham adotando o sistema de cotas para estudantes negros e de escolas públicas. Tais iniciativas aumentaram a inclusão social, visto que em 2011, 11,9% da juventude negra estava nas universidades. Nesse sentido, as cotas assim como bolsas de estudos têm sido importantes para a luta contra as desigualdades raciais e econômicas no Brasil.


Tais ações aliadas à dedicação da juventude negra têm reverberado nos cursos de design, tornando-os mais diversos e heterogêneos, oportunizando a ampliação de perspectivas sobre o mundo. A representatividade negra nos ambientes acadêmicos refere-se à presença política de grupos subalternizados, favorecendo a visibilidade de pautas capazes de questionar estruturas de poder, colaborando para a construção de um mundo mais justo e democrático.

Referências

  • Design Census 2019 – understanding the state of design and the people who make it. AIGA, Google, 2019.
  • CAAF, CIP. Cotas raciais no Brasil: entenda o que são.
Texto: Maureen Schaefer França
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