Design & Branquitude

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Neste post destacamos como o design é perpassado por desigualdades étnico/raciais. Nesta perspectiva, a categoria de raça/etnia e o conceito de branquitude (também chamada de branquidade) nos ajudam a pensar como o design vem invisibilizando a existência e a necessidade de pessoas não-brancas.

A categoria de raça/etnia, ligada ao ato de estabelecer classificações entre seres humanos a partir de fenótipos, é a pedra angular da colonialidade, remontando aos finais do século XV e início do século XVI. Raça não é um termo estático, uma vez que seus sentidos são relacionais e históricos. Antes da expansão mercantilista e da descoberta do “novo mundo”, por exemplo, as pessoas costumavam ser compreendidas enquanto seres ligados a uma comunidade política ou religiosa.

A colonialidade tem como um dos seus núcleos estruturantes uma concepção de humanidade segundo a qual a população mundial se diferencia entre seres inferiores e superiores, irracionais e racionais, primitivos e civilizados, tendo como referência de “evolução” o homem branco adulto da Europa Ocidental.
Sendo assim, a branquitude, ou seja, a identidade “racial” das pessoas brancas, é um constructo ideológico de poder que nasceu no contexto das articulações capitalistas e colonialistas, sendo um elemento ativo nas desigualdades raciais instituídas pela colonialidade ainda hoje.

Nesta conjuntura, pessoas brancas construíram sua identidade em oposição ao “outro”, projetando no outrem aquilo que lhes parecia indesejável, não admitindo como um impulso seu. Logo, a raça não é vista apenas como diferença, mas como hierarquia. Sendo assim, quando pensamos a respeito de pessoas brancas, negras e indígenas acionamos produtos de uma lógica racializada de mundo.

Apesar da branquitude ser um fenômeno fluído que se modifica através do tempo e do espaço, ao receber influências de diferentes contextos sócio-históricos, de modo geral, ela pode ser compreendida a partir de alguns aspectos (SILVA, 2017). Nesta perspectiva, a branquitude pode ser entendida como:

-Um lugar de vantagem estrutural em que pessoas que o ocupam “foram sistematicamente [privilegiadas] no que diz respeito ao acesso a recursos materiais e simbólicos” (SCHUCMAN, 2015, p. 56).
-Um ponto de vista privilegiado, uma vez que vêm ocupando continuadamente posições de poder, moldando o modo com as pessoas veem os outros como também a si próprias, uma vez que se apresenta como norma.
-Uma identidade “neutra” e “universal”. Pois, enquanto as pessoas negras são produtos do racismo, as pessoas brancas são resultados de uma contradição, visto que ser branco é atribuir identidade racial aos outros e não ter uma.

As ideias de “superioridade” racional, material e estética e da visão dos corpos brancos enquanto seres “mais” decentes e dignos podem ser entendidos como traços fundamentais da construção da branquitude.

Uma vez que pessoas brancas costumam ocupar posições privilegiadas dentro do campo do design, as questões apresentadas acima tendem a ser reiteradas, visto que se toma a brancura – ou seja, a corporeidade branca – como medida e referência para criação de produtos, desconsiderando e lesando vidas negras e reforçando desigualdades raciais.

Nesta perspectiva, pessoas negras têm criado estratégias para atender suas próprias necessidades. A marca brasileira Da Minha Cor vem desenvolvendo várias modelagens de touca para cabelos black power e dreadlocks, facilitando o acesso de pessoas negras com cabelos afro mais volumosos às práticas de natação e hidroginástica, ampliando modos de ser e estar no mundo.

Em 2019, a bailarina brasileira Ingrid da Silva, do Dance Theatre do Harlem (NY), comemorou a primeira sapatilha da cor da sua pele, pois há 11 anos pintava seus calçados, investindo tempo e dinheiro, para que a mudança cromática das sapatilhas rosadas não quebrasse a linha de sua perna, seu instrumento de trabalho. A bailarina Precious Adams, da English National Ballet, também se recusou a vestir meia-calça rosa-bebê pelo mesmo motivo. O balé é uma prática artística historicamente ligada às elites, sendo assim, corpos negros (associados pelo olhar colonial à pobreza), não são esperados neste espaço.

Juntas, a marca Koralle e a Uniafro (Programa de Ações Afirmativas para a População Negra), desenvolveram o primeiro giz de cera do Brasil com 12 cores de pele a fim de representar a diversidade racial da população e desconstruir a ideia da “cor de pele” enquanto “branco universal”.

Na mesma perspectiva, a marca estadunidense Browndages, criada por um casal heterossexual negro, desenvolveu curativos em várias tonalidades de pele negra. Possivelmente influenciada por esta marca, a Band-Aid, criada em 1920 nos Estados Unidos, afirmou, quase 100 anos depois, que passará a fazer curativos em várias tonalidades de pele.

Apesar desta medida ser importante, ela não basta, uma vez que empresas brancas podem se apropriar de demandas negras sem de fato reverem suas estruturas. Neste sentido, é fundamental que empresas reconsiderem seu quadro de funcionários, não apenas “incluindo” profissionais negros, mas os considerando enquanto corpos potentes, inventivos e inovadores. Para isso é fundamental que a branquitude reconheça seus privilégios, perceba o racismo internalizado em si, se informe sobre o racismo, leia/enxergue/escute a negritude, seja antirracista (um exercício contínuo e cotidiano). Pois, a branquitude também pode ser um espaço de autorreflexão e de tensionamento do sistema hegemônico.

Referências

  • ALMEIDA, Silvio. Racismo estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019.
  • MÜLLER, Tânia; CARDOSO, Lourenço (org.). Branquitude: estudos sobre a identidade branca no Brasil. Curitiba: Appris, 2017.
  • MUNANGA, Kanbengele. Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e etnia. Palestra proferida no 3° Seminário Nacional Relações Raciais e Educação – PENESB – RJ, 05.11.2003. Disponível em: <https://www.geledes.org.br/wp-content/uploads/2014/04/Uma-abordagem-conceitual-das-nocoes-de-raca-racismo-dentidade-e-etnia.pdf>. Acesso em: jul. 2020.
  • SCHUCMAN, Lia Vainer. Entre o encardido, o branco e o branquíssimo: branquitude, hierarquia e poder na cidade de São Paulo. São Paulo: Annablue, 2015.
Texto: Maureen Schaefer França
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