Design na África? (parte 1/2)

0 Compartilhamentos
0
0
0
0
0

Se lemos/ouvimos/vemos repetidamente apenas uma narrativa sobre certas pessoas e certos lugares, corremos o risco de reproduzir visões reducionistas, deturpadas e até mesmo apagamentos (ADICHIE, 2009). Nesta perspectiva, a maioria dos livros de História do Design nos levaria a crer que não existe design na África. Frequentemente confundido com um país, o continente africano é, não raras vezes, estereotipado como um lugar “exótico”, “selvagem” e pouco “desenvolvido”. A desvalorização das materialidades africanas está ligada, possivelmente, à hierarquização entre culturas compreendidas como “superiores” e “inferiores” – visão imposta por colonizadores europeus, para os quais a diferença foi concebida como falha, desacreditando a alteridade. Neste sentido, a cultura material africana foi associada a algo “primitivo”, visto que a África foi relacionada historicamente, por meio de discursos eurocêntricos e evolucionistas, a um lugar supostamente “simples de cultura” e carente de tecnologia. Ou seja, a suposta inferioridade da cultura material dos povos africanos estava articulada à classificação dos mesmos enquanto seres racionalmente inferiores. Sendo assim, o processo de escravatura e de colonização apagaram as complexidades materiais, afetivas e simbólicas dos artefatos africanos apelando para a tese de selvageria, os relacionando a uma fase da história humana muito anterior a dos colonizadores (SANTOS, 2017; RETANA, 2009).

Logo, por muito tempo, o design africano foi definido por uma “história única” como se o mesmo fosse constituído apenas por uma única estética – estátuas de madeira, máscaras, estampas de animais, artefatos feitos de ébano e marfim -, apagando a diversidade da produção africana, moldada por várias camadas de culturas, sabedorias, tradições, migrações, legados coloniais e contradições. A cultura material africana inspirou o modernismo europeus e estadunidense, a lembrar dos designs art decó dos franceses Pierre-Émile Legrain e Jules-Émile Leleu e da irlandesa Eileen Gray como também dos bancos desenhados pelo casal Eames para o saguão do Rockfeller Center. Estes, inclusive, por terem aparência “exótica” e “artesanal” – embora feitos industrialmente – foram atribuídos por ortodoxos modernistas apenas à Ray Eames, reiterando normativas de gênero (MATSINDE, 2015; FIELL e FIELL, 2005; KIRKHAM, 1998).

Apesar disso, designers do continente africano, com um punhado de exceções, permanecem praticamente invisíveis no cenário internacional. Isto está mudando, à medida que visões estereotipadas acerca do design africano estão sendo tensionadas (MATSINDE, 2015). Rotular o design produzido pelas culturas africanas como “exótico”, por exemplo, reforça o olhar nortecêntrico sobre o mundo, uma vez que considera produtos criados, sobretudo, nos espaços urbanos da América do Norte e de alguns países da Europa Ocidental como artefatos “comuns” e “normais” e aqueles desenvolvidos fora das suas regiões como estranhos, reiterando, por vezes, narrativas distorcidas e incongruentes a respeito da cultura material africana (FRANÇA, 2021).

Imagens:

  • https://www.randafricanart.com/Ngombe_chair_Ekele_DRC.html e
  • http://www.artnet.com/magazine_pre2000/reviews/mmendelsohn/mendelsohn8-19-98.asp

Referências

ADICHIE, Chimamanda. O perigo de uma história única (2009). Disponível em: <https://www.ted.com/talks/chimamanda_ngozi_adichie_the_danger_of_a_single_story?language=pt-br#t-128>. Acesso em: 21/04/21.

FIELL, Charlotte; FIELL, Peter. 1000 chairs. Taschen, 2005.

FRANÇA, Maureen Schaefer. Juventude “transada”: moda como tecnologia de gênero na revista Pop (anos 1970). 2021. 466 f. Tese (Doutorado em Tecnologia e Sociedade) – Programa de Pós-Graduação em Tecnologia e Sociedade, Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Curitiba, 2021.

KIRKHAM, Pat. Humanizing Modernism: The Crafts, ‘Functioning Decoration’ and the Eameses. Journal of Design History, 1998.

MATSINDE, Tapiwa. Contemporary Design Africa. London: Thames & Hudson, 2015.

RETANA, Camilo. Las artimañas de la moda: la ética colonial/imperial y sus vínculos com el vestido moderno. Rev. Filosofía Univ. Costa Rica, XLVII (122), setiembre-diciembre, 2009. p. 87-96.

SANTOS, Ana Paula Medeiros Teixeira dos. Tranças, turbantes e empoderamento de mulheres negras: artefatos de moda como tecnologia de gênero e raça no evento Afro Chic (Curitiba-PR). 2017. 145 f. Dissertação (Mestrado em Tecnologia e Sociedade) – Programa de Pós-Graduação em Tecnologia e Sociedade, Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Curitiba, 2017. 

Texto: Maureen Schaefer França 
Você também pode gostar