Imagens servem para sonhar

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A decoração dos interiores domésticos é um tema popular e assunto tratado nos mais variados tipos de mídia: revistas, programas de televisão, blogs, perfis nas redes sociais como Instagram, Facebook, canais no Youtube e plataformas recentes como o Pinterest, voltado principalmente às imagens. As novas mídias e redes sociais ganharam destaque como parte das práticas de consumo cotidianas, com a crescente utilização de computadores com acesso à internet e smartphones. Segundo a Associação Brasileira de Design de Interiores, cerca de oito bilhões das imagens do Pinterest são relacionadas à decoração e ao design, ficando atrás apenas dos temas sobre culinária e moda (ABD, 2019). A ampliação na indústria da construção civil também influenciou o crescimento do setor de decoração no Brasil, que teve um aumento de aproximadamente 500% entre os anos de 2004 e 2014 (ABD, 2017). As mídias de estilo de vida (jornais, revistas, programas de televisão, blogs) produzem e divulgam determinados valores, conhecimentos e comportamentos, visando “educar” consumidores/as com base nas práticas de consumo (HOLLOWS, 2008). Nas revistas e programas de TV que tratam da decoração, não basta um bom arranjo de objetos e cores; é preciso construir uma atmosfera, um ambiente que inspire o desejo de morar e imaginar-se naquele espaço. É preciso sonhar!
As mídias da decoração reproduzem e ensinam modos de ver e fotografar um espaço decorado: um determinado ângulo de câmera ou perspectiva são itens que devem ser mostrados e valorizados, outros ocultados; um jogo de “percepção e interpretação”, como afirma Ana Maria Mauad (2005, p.142) que “são faces de um mesmo processo: o da educação do olhar. Existem regras de leitura dos textos visuais que são compartilhadas pela comunidade de leitores”. A fotografia do ambiente decorado nas revistas especializadas, blogs e programas de televisão é baseada em convenções de representação de ambientes, que tem suas origens na perspectiva renascentista. O uso de pontos de fuga e noções de amplitude visual e profundidade deveriam simular um espaço real. 

Essas convenções influenciaram o modo como as fotografias de interiores são concebidas: desde o modo de ver e planejar a imagem, até a criação e edição de fotografias. Muitas imagens nas revistas impressas buscam simular uma trajetória do olhar, como um caminho a ser percorrido dentro do ambiente pelos/as leitores/as. Este direcionamento do olhar influencia a própria construção da imagem. Os programas de televisão utilizam o recurso do vídeo para reforçar a noção de caminho a ser percorrido no ambiente, por meio do “antes e depois”. Fundamental para a valorização da transformação de ambientes decorados, este formato articula também a noção de expectativa e leitura do ambiente. Martine Joly (2000, p. 61) discute a importância das noções de expectativa e contexto na recepção, e que “ambas condicionam a interpretação da mensagem e completam as noções de instruções de leitura.” O formato antes e depois possibilita a discussão da reforma, das transformações no ambiente, reforçando aspectos ligados à decoração e à personalização. É um recurso muito utilizado em programas e revistas de decoração, programas de transformação de imagem pessoal, moda, etc.

O canto da cerevja, 2015.

O “Canto da cerveja” é um ambiente decorado pelo leitor do Homens da Casa, pensado como espaço de consumo de bebidas alcoólicas, como indica o arranjo da mobília e a decoração. O bar, além do consumo de cerveja, como é sugerido neste projeto, também é local de convívio, de sociabilidade. O destaque do “Canto da cerveja” criado pelo leitor é a parede lousa, que exibe um cardápio com várias marcas de cerveja e pôsteres com o mesmo tema. Complementando a parede lousa, garrafas com rótulos variados são exibidas formando uma prateleira, novamente reproduzindo a disposição de garrafas em bares. É provável que tal arranjo se deva ao hábito de muitos meninos de colecionar latas de cerveja como objetos decorativos no quarto. O leitor afirmou que transformou um espaço pouco usado, uma lavanderia, em algo útil, que era “beber cerveja”. Os artefatos que decoram o ambiente representam práticas sociais e acionam significados quanto ao consumo de bebidas, sociabilidade e masculinidades. A representação, como argumenta Stuart Hall (2016, p.34) “é uma parte essencial do processo pelo qual os significados são produzidos e compartilhados com os membros de uma cultura”.

O quarto da Lari, 2016.

“O quarto da Lari”, projeto de uma leitora, é um quarto de casal fotografado seguindo a perspectiva de ambientes, mostrando que o foco está na cabeceira da cama e na parede ao fundo, com revestimento de tijolos aparentes. O destaque neste ambiente é o ideal de amor romântico, representado pelos pôsteres complementares fixados nas laterais da cama, que exibem trechos da música A Minha menina, dos Mutantes, que utilizam as cores verde e vermelho para reforçar a ideia de complementaridade.

Para Ana Carolina Escosteguy (2005, p.39), “estamos experimentando, e cada vez com mais força, que a construção de nossas identidades se encontra ligada às dinâmicas e aos processos de comunicação. Hoje é central o debate sobre as relações entre comunicação e identidade”. As práticas de consumo cotidianas fazem parte da cultura doméstica, que abrange modos de vida, rotinas, relações interpessoais e os significados atribuídos ao interior doméstico. A decoração, desta forma, abrange práticas culturais e de consumo que influenciam a formação da subjetividade e das identidades e impactam na formação de comportamentos e atitudes.

Referências

CRESTO, Lindsay Jemima. Colocando a mão na massa: tecnologias de gênero na decoração de interiores no blog Homens da Casa. 2019. Tese (Doutorado em Tecnologia e Sociedade) – Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Curitiba, 2019.

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