Designers negras desaparecidas em ação

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Ao longo das últimas décadas, mulheres designers enfrentaram diversas adversidades decorrentes da articulação entre capitalismo e patriarcado, tais como: a relação naturalizada entre mulheres, trabalho doméstico e cuidado infantil; a visão de que mulheres seriam pessoas pouco racionais, sendo supostamente incapazes de realizar alguns trabalhos; a depreciação de campos de trabalho nos quais elas costumam atuar, sobretudo, áreas ligadas ao artesanato, ao design têxtil e de moda (lembrando que a compreensão destas áreas enquanto ramos de atuação feminina foi construída historicamente, sendo atravessada por relações de poder); e o apagamento por meio do registro histórico comumente realizado por homens brancos europeus, entre outras questões.

Se para as mulheres brancas estas questões complicaram sua atuação no campo do design, a cor da pele das mulheres negras dificultou ainda mais seus acessos e reconhecimentos, restringindo possibilidades de ser e estar no mundo. Pois, ao patriarcado e ao capitalismo se soma outra estrutura de opressão: o racismo. Logo, o que as pessoas negras “têm fundamentalmente em comum não é, como parece indicar o termo negritude, a cor da pele, mas sim o fato de terem sido na história vítimas das piores tentativas de desumanização” (MUNANGA, 2012, p. 12).

No artigo “Black designers: missing in action”, publicado em 1987, a designer estadunidense Cheryl D. Miller aponta como estas questões se refletiram na sua prática profissional, pois quando não era contratada ficava em duvida se a qualidade do seu trabalho era insuficiente ou se a razão se devia ao fato de ser uma mulher e/ou uma pessoa negra. Cheryl aponta alguns motivos, que ao seu ver, prejudicaram o acesso de pessoas negras ao campo do design ao longo dos anos. Nos Estados Unidos (como também no Brasil), a maior parte da população negra pertence às camadas menos abastadas, sendo assim, estudar design é muitas vezes visto como um luxo pela família, pois, a priori, o retorno econômico seria mais incerto se comparado a outras profissões.

Revista Print, set/out de 1987, apresentando o artigo “Designers negros desaparecidos em ação”, de Cheryl D. Miller.

Apesar de existirem universidades negras nos Estados Unidos, que oferecem educação a um preço mais acessível, muitas delas não possuem instalações ou orçamentos suficientes para ofertar cursos como Design. E quando oferecem, geralmente, são cursos mais “fracos”. Ademais, quando estudantes negres têm acesso a escolas de design credenciadas, em vários casos possibilitados por bolsas, costumam enfrentar outras pressões. Pois, por constituírem parte de uma minoria bastante expressiva, vários estudantes não chegam a concluir o curso devido à sensação de isolamento e rejeição. Outro obstáculo para pessoas negras ingressarem no campo de design é a falta de mentores profissionais. Ou seja, designers experientes que sirvam como inspiração e sejam capazes de oferecer apoio, inspiração e conselhos. Neste sentido, o networking de uma pessoa negra é mais restrito, sendo uma adversidade quando indicações abrem oportunidades de emprego. Por fim, Cheryl também pontua como visões estereotipadas acerca das pessoas negras podem prejudicá-las. Neste sentido, Cheryl enfatiza que pessoas negras costumam ser mais contratadas para atuar na área de produção do que na de criação. Esta questão reitera a associação de corpos negres à execução (força física) e a suposta ausência de racionalidade – estereótipos racistas que têm suas raízes na modernidade colonial.
Apesar do texto de Cheryl abordar o contexto estadunidense e ter sido escrito em 1987, ele também pode nos ajudar a compreender mecanismos de exclusão e de acesso de designers negras no Brasil, não deixando, contudo, de considerarmos as particularidades do país e das vivências de cada profissional, uma vez que não podemos agrupá-las em um grupo homogêneo. Pois, as experiências de vida (educação, dedicação, rede de contatos, trabalho formal/informal e etc.) das mulheres negras são atravessadas por questões de gênero, classe, raça/etnia, região e etc., moldando variadas maneiras pelas quais elas atuam no campo do design, a lembrar da história da designer brasileira Goya Lopes, mas isso fica para outro post.

Referência

MUNANGA, Kabengele. Negritude e identidade negra ou afrodescendente: um racismo ao avesso? Revista da Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN), v. 4, n. 8, p. 06-14, out. 2012.

Texto: Maureen Schaefer França
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