CALLEN, Anthea. Sexual Division of Labor in the Arts and Crafts Movement. In: Woman’s Art Journal. Vol. 5, n. 2 (autumn, 1984 – winter, 1985), pp. 1-6. Versão traduzida e simplificada por Maureen Schaefer França.
1. Divisão sexual do trabalho na Era Vitoriana
Embora o movimento Arts & Crafts fosse, em muitos aspectos, socialmente e artisticamente radical, reproduziu e perpetuou a ideologia patriarcal vitoriana dominante. As atribuições de gênero podem ser percebidas na produção, no design, nas competências artesanais, na renda e na gestão de tarefas.
A divisão sexual do trabalho é um dos fatores-chave na opressão e exploração das mulheres numa sociedade capitalista. As origens históricas desta divisão estão enraizadas no “papel biológico” da mulher como reprodutora da força de trabalho. Isto significou efetivamente que as mulheres tiveram suas energias divididas entre a família e o trabalho “produtivo”. Antes da Revolução Industrial, quando a família formava a unidade dominante de produção, a distinção entre o trabalho produtivo dos sexos era menos rigidamente marcada – todos os membros da família estavam envolvidos na produção e o trabalho doméstico em si era reconhecido como central para a economia familiar.
Com o crescimento da industrialização, o lar deixou gradativamente de ser o centro do trabalho produtivo, que foi então transferido para oficinas e fábricas. Isto tornou difícil para as mulheres combinarem as atribuições de mãe e trabalhadora “produtiva” e, simultaneamente, separou a casa e o local de trabalho em esferas distintas. No final do século XVIII e início do século XIX, o mesmo aconteceu com a noção moderna de domesticidade. Embora consagrada como uma tarefa e um dever quase sagrado para as mulheres, a atividade doméstica, ao mesmo tempo, não era reconhecida como verdadeiro trabalho. Foi um trabalho “por amor”. Numa sociedade em que tudo era medido em termos de lucro financeiro – especialmente sucesso e poder – as mulheres eram, portanto, estranhas, o seu trabalho “real” não era reconhecido. Ruskin foi um dos muitos escritores que elogiaram a nova domesticidade, conforme sua discussão sobre os “papéis das mulheres” publicado em Of Queen’s Gardens. Ele via o lar como um templo secular, “o lugar de toda a paz; o abrigo, não apenas de todos os danos, mas de todo o terror, dúvida e divisão”.
No ideal vitoriano, a mulher era a guardiã espiritual deste lar/refúgio e, portanto, tinha de ser excluída do turbulento mundo comercial. Seu “passivo” deu sentido ao “ativo” do homem. Conforme a Sra. Sarah Ellis no texto The Wives of England, Their Relative Duties, Domestic Influence and Social Obligations, publicado em 1843, a mulher deveria ser “uma companheira que elevará o tom da mente [de seu marido] em relação às ansiedades e preocupações vulgares” e “conduzirá seus pensamentos a discorrer ou repousar sobre os assuntos que transmitem um sentimento de identidade com um estado superior de existência além desta vida presente”. Ao mesmo tempo, o lazer de uma mulher indicava o grau de sucesso de seu homem e, portanto, o status social da família (ELLIS, 1843).
Este ideal de mulher, juntamente com a crescente ênfase na domesticidade, criou um paradigma ao qual todas as classes da sociedade poderiam aspirar. Durante a década de 1840, desenvolveu-se o conceito de salário “família” – um salário ganho por um trabalhador do sexo masculino para sustentar toda a família. Embora isto não tenha sido de forma alguma implementado universalmente, tornou o ideal do lugar da esposa dentro do lar potencialmente realizável para as classes trabalhadoras.
Da mesma forma, o salário da mulher era visto como meramente complementar à renda do marido: dinheiro de “alfinete”. Como resultado, em nenhum momento durante o século XIX os rendimentos de uma mulher permitiram-lhe sustentar-se adequadamente, criando assim graves problemas para as mulheres solteiras e viúvas. Muitas mulheres (especialmente as casadas) que continuaram a trabalhar, o fizeram como trabalhadoras externas, levando trabalho para casa para cumprir um duplo “papel produtivo”. Neste novo sistema – a unidade produtiva familiar pré-industrial – as mulheres estavam inteiramente à mercê de agentes e intermediários, que frequentemente impunham prazos rigorosos e tipos de pagamentos que subvalorizavam tanto seu trabalho quanto suas competências. Esse trabalho externo era notoriamente mal pago e as horas excessivas, além disso, o isolamento das mulheres restringiu, em grande medida, organizações políticas para melhores salários ou condições.
O ideal burguês de domesticidade foi encorajado entre as mulheres das zonas rurais pobres através de esquemas de renascimento do artesanato instigados por Ruskin, entre outros, a partir da década de 1870, e organizados por mulheres locais da classe média. A indústria do linho Langdale (Figura 1), fundada em 1885, foi um desses projetos. Pretendia-se não só ocupar as mãos femininas “ociosas” dentro de casa, mas também ajudar a conter o despovoamento rural, evitar a crescente miséria e agitação urbana e manter o status quo tradicional no campo.
A rigidez do ideal mítico de “mulher” dificultou, em grande medida, exceções e engenhosamente ajudou a criar uma força de trabalho barata e um exército de trabalho de reserva de mulheres que podiam ser convocadas e despedidas por capricho econômico.
As mulheres da classe média, em particular, foram criadas e educadas para encarnar este ideal. A sua única carreira socialmente sancionada na vida era o casamento e a sua formação raramente as habilitava para o trabalho fora da esfera doméstica. No entanto, as oportunidades de casamento foram diminuindo ao longo do século, uma vez que o número de mulheres na Inglaterra superou o de homens em quase um milhão no início da década de 1870. No entanto, para as mulheres da classe média, o trabalho, e especialmente o trabalho remunerado, significava uma grave perda de status social numa sociedade em que “senhora” e “trabalho” eram uma contradição em termos. Como afirmado, em 1866, em uma carta destinada ao editor do The Englishwoman’s Journal: “Minha opinião é que se uma mulher é obrigada a trabalhar, imediatamente (embora ela possa ser cristã e bem-educada) ela perde aquela posição peculiar que a palavra senhora convencionalmente designa”.
A situação das mulheres solteiras e desamparadas tornou-se uma preocupação nacional; era necessário encontrar trabalho adequado ao seu status. A contaminação pelo mundo comercial masculino deveria ser evitada a todo custo se as mulheres mantivessem o seu papel como criadoras de refúgios seguros nesse mundo, e se os homens mantivessem o seu domínio e autoridade dentro dele. Assim, tanto em termos sociais como econômicos, o reforço de uma divisão sexual do trabalho a todos os níveis da sociedade foi essencial para a preservação da própria estrutura dessa sociedade.
Uma das poucas ocupações que passaram a ser reconhecidas como adequadas para as mulheres vitorianas de classe média foi a arte. Esse trabalho poderia ser visto como uma extensão das realizações femininas tradicionais, aumentando, em vez de ameaçar, o papel designado como “natural” para a mulher vitoriana:
A quem deveríamos recorrer com tanta confiança em tudo o que diz respeito ao embelezamento da vida doméstica quanto ao espírito que preside o lar? Por que o gosto instintivo e a graça natural da mulher não deveriam ser refletidos nos matizes e harmonias de cores e formas nas paredes de seus quartos, nas cortinas dispostas por seus dedos hábeis, no tapete macio sob seus pés e nas mil formas de conforto, conveniência ou elegância que a cercam? -Art-work for Women I, Art Journal (sem data)
Este tipo de obra de arte, embora aqui paga, é uma extensão daquilo que Griselda Pollock e Rozsika Parker (1981) descrevem como o papel das mulheres burguesas na perpetuação das tradições aristocráticas: “ser embelezadoras, civilizadoras, ordenadoras face à mobilidade social e à instabilidade econômica de um mundo caótico e ameaçador”. Como este tipo de arte foi definida como “doméstica”, ela não invadiu as divisões de trabalho entre homens e mulheres.
A noção de que o emprego das mulheres não deve perturbar o status quo patriarcal e, em particular, de que não deve retirar as mulheres da esfera privada e doméstica, é crucial. Como argumentam Pollock e Parker (1981, p. 99), foi rotulando certos aspectos da produção artística como “domésticos” – isto é, artesanais – que, no desenvolvimento do conceito moderno de arte, se formou a divisão entre a arte “alta” e as artes menores:
O que distingue a arte do artesanato na hierarquia não são tanto os diferentes métodos, práticas e objetos, mas também onde essas coisas são feitas, muitas vezes em casa, e para quem são feitas, muitas vezes para a família. As artes plásticas são uma atividade pública e profissional. O que as mulheres fazem, que geralmente é definido como “artesanato”, poderia na verdade ser definido como “arte doméstica”. As condições de produção e de público deste tipo de arte são diferentes daquelas da arte feita no ateliê e na escola de artes, para o mercado e para a galeria. É a partir destas diferentes condições que se constrói a divisão hierárquica entre arte e artesanato; não tem nada a ver com as qualidades inerentes do objeto nem com o gênero do criador.
Esta divisão hierárquica remonta à época da Renascença, quando os artistas começaram a evitar os aspectos práticos e manuais do seu ofício, a fim de ganhar o status social concedido aos intelectuais. Contudo, foi com a Revolução Industrial, a ascensão da família burguesa e o conceito de domesticidade que a acompanha, que a tentativa de separação entre arte e artesanato foi questionada significativamente. Assim, para os artistas, escritores e pensadores sociais vitorianos que procuravam alternativas para a divisão da sua sociedade, não é surpreendente que remontassem ao que entendiam da sociedade pré-renascentista. Não apenas as estruturas de guildas de Artes e Ofícios eram, muitas vezes, baseadas na concepção vitoriana das guildas de Artes medievais, mas também abarcavam temas medievais (cavaleiros, donzelas e feitos heroicos) frequentemente escolhidos como assuntos para obras de arte (Figura 2), reforçando assim a preocupação com estes ideais entre artesãos e artistas pelo menos desde os Pré-Rafaelitas.
2. Educação e Trabalho Feminino no campo das artes/artesanato/design na Era Vitoriana
A conveniência e a popularidade do trabalho artístico para as mulheres da classe média foram ativamente promovidas já em 1842, com o estabelecimento da Escola Feminina de Design em Londres. Esta escola diurna do governo fornecia instruções de design para mulheres carentes com idades entre 13 e 30 anos, a fim de prepará-las para carreiras em arte e design. Na década de 1870, havia oportunidades muito maiores para as mulheres que procuravam carreiras nesta área. Elas trabalhavam como bordadeiras artísticas em inúmeras instituições fundadas para o ensino, o emprego e a venda de trabalhos femininos. As mulheres estudaram e ensinaram cerâmica nas Escolas Nacionais de Treinamento em Arte, trabalharam no Estúdio de Cerâmica Artística de Minton, em South Kensington, e na Cerâmica Doulton Lambeth, que empregava quase exclusivamente mulheres artistas. Howell e James da Rua Regent também organizaram competições anuais e exposições de trabalhos em cerâmica realizados por mulheres. As mulheres matricularam-se e mais tarde lecionaram na Escola de Arte de Talha em South Kensington, fundada em 1879.
Com melhorias artísticas e técnicas na impressão colorida, a ilustração de livros tornou-se um campo em que a participação das mulheres foi incentivada. A expansão do mercado de livros infantis foi especialmente importante, uma vez que as mulheres eram inevitavelmente consideradas as mais qualificadas para este gênero.
3. Mulheres no movimento Arts & Crafts
Assim, na altura em que o movimento Arts & Crafts se desenvolveu plenamente, em meados da década de 1880, muitas mulheres já estavam envolvidas – se não totalmente aceitas – numa série de campos do artesanato e do design, e a sua estreita associação com o movimento era, portanto, bastante natural. O surgimento do movimento Arts & Crafts apresentou oportunidades ainda maiores. Oferecia formação prática muito necessária e muitas vezes inacessível a muitas mulheres, um mercado em expansão para aquelas já formadas e a possibilidade de trabalho remunerado realizado em domicílio para aquelas mulheres com compromissos familiares ou cujo estatuto social não lhes permitia trabalhar fora de casa. O movimento deu relativa liberdade de trabalho freelance às mulheres que enfrentavam discriminação punitiva nos círculos profissionais mais tradicionais. Mas, embora oferecesse às mulheres muitas vantagens positivas, o movimento Arts & Crafts também perpetuou insidiosamente as divisões de classe, sexuais e laborais inerentes à sociedade vitoriana tardia.
O papel da mulher vitoriana da classe média era mais rigidamente estereotipado e restrito do que o das mulheres da classe trabalhadora e da classe alta, e é através do estudo das mulheres da classe média que encontramos evidências claras da divisão sexual do trabalho no movimento Arts & Crafts. O artesanato que elas empreenderam era uma extensão das realizações e passatempos das mulheres vitorianas da classe média. Embora a escultura em madeira possa, à primeira vista, parecer uma exceção, o trabalho era muitas vezes de pequena escala e delicado, exigindo pouca força física – que as mulheres não deveriam possuir. Bordados e rendas eram ofícios tradicionalmente femininos (embora originalmente praticados por homens e mulheres). A pintura chinesa e a ilustração de livros evoluíram sem dor a partir do esboço e desenho em aquarela essenciais para a senhora talentosa. Encadernação, joias e trabalhos em metal (que exigiam trabalhos minuciosamente detalhados) também foram rapidamente adotados como atividades femininas aceitáveis.
Em certos ramos artesanais, o envolvimento masculino e feminino se sobrepunha, mas a maioria dos ofícios eram considerados “masculinos” ou “femininos”. Assim, as mulheres foram excluídas da formação e prática arquitetônica e de suas profissões afins. Poucas mulheres faziam os potes que decoravam e quase nenhuma se tornava operária em ferro forjado, pedreira ou estucadora. A fabricação de móveis e a impressão fina também eram esferas exclusivamente masculinas.
As mulheres treinavam como encadernadoras e metalúrgicas em aulas particulares pagas, pois eram proibidas de ingressar em aulas profissionais em escolas como a Escola Central de Artes e Ofícios. No entanto, no comércio de encadernação, raramente avançavam além da costura de encadernação, tarefa tradicional atribuída às mulheres; os aspectos mais técnicos e criativos do trabalho eram reservados aos homens (Figura 3).
A divisão sexual do trabalho na encadernação tinha uma base econômica clara como resultado da desvalorização do trabalho das mulheres. Certas tarefas foram atribuídas às mulheres apenas para evitar colocá-las em concorrência direta com os homens, o que ameaçaria os empregos masculinos, a “masculinidade” e os salários “familiares” masculinos. Era apenas em encadernações ou oficinas privadas de artes e ofícios que as mulheres poderiam praticar todos os processos do artesanato. Desta forma, tanto as divisões sexuais como as de classe foram mantidas no contexto comercial mais amplo.
A divisão sexual dos vários ramos artesanais era mais obviamente uma questão de escolha para os homens, que excepcionalmente poderiam se associar aos ofícios “femininos”. William Morris, um dos fundadores do movimento Arts & Crafts, foi uma dessas exceções porque aprendeu (inclusive, sozinho) a bordar. Mas mesmo o seu envolvimento era o de um pioneiro, um explorador, e uma vez dominadas as técnicas antigas, ele geralmente passava o trabalho mundano de execução para as mulheres de sua família e oficina.
Embora nos seus ideais o movimento Arts & Crafts procurasse eliminar a divisão entre designer e executante, em muitos aspectos falhou. Significativamente, a divisão entre designer e executante era muitas vezes também uma divisão entre homem e mulher. Embora esta divisão apareça até certo ponto em todos os ofícios em que as mulheres estavam envolvidas, em nenhum é tão explícita como o bordado, e em nenhum outro as características sexuais atribuídas pela nossa sociedade a homens e mulheres são tão bem refletidas. O bordado, por exemplo, teve um status elevado na Idade Média, mas, segundo Rozsika Parker (1975, p. 41):
À medida que a sociedade “progrediu”, o bordado tornou-se uma atividade quase exclusivamente feminina e, ao longo dos séculos, esta relação tem sido mutuamente destrutiva. O bordado sofreu por ser caracterizado como trabalho feminino. As mesmas características foram atribuídas tanto às mulheres quanto aos bordados: eram vistos como estúpidos, decorativos e delicados – como a cereja do bolo, bonitos de se ver, acrescentando sabor e status, mas desprovidos de conteúdo significativo.
Devido à sua associação com mulheres nobres, desencorajadas de atividades intelectuais ou criativas, o bordado passou a ser visto como uma habilidade que exigia apenas destreza manual. Desenhar para bordar, no entanto, que era percebido como uma habilidade que exigia poderes intelectuais e criativos, tornou-se domínio dos homens. Na verdade, praticamente todos os artesãos mais conhecidos do final do período vitoriano faziam desenhos para bordados ou rendas, que eram então executados por mulheres – muitas vezes pelas suas esposas ou filhas. Assim, as mulheres também eram muitas vezes limitadas ao aspecto “feminino”, executivo do processo criativo, aquilo que supostamente exigia apenas destreza manual que, por si só, é subestimada como resultado de noções hierárquicas de criatividade.
Conforme informado por Barbara Morris (1962, p. 95), de acordo com Jane Burden, William Morris teria se interessado pelo bordado já em 1855, e após o casamento em 1859 a iniciou no artesanato:
Ele me ensinou os primeiros princípios de unir os pontos de modo a cobrir o chão suavemente e irradiá-los adequadamente. Depois estudamos peças antigas e desmontando etc., aprendemos muito – mas foi um trabalho árduo, fascinante, mas só realizado pela sua enorme energia e perseverança.
Ele não apenas ensinou sua esposa a bordar, mas parece ter instruído nessa arte todas as mulheres com quem teve contato. Estas incluíam: Mary Nicholson, que cuidava da casa para ele em Red Lion Square – onde a firma Morris, Marshall, Faulkner & Co. foi estabelecida pela primeira vez no início da década de 1860; Sra. George Wardle (Madeleine Smith), esposa do gerente de Morris na Red Lion Square; Elizabeth Burden e Georgiana Burne-Jones. As três últimas e Jane, além de outras mulheres sob suas orientações, executaram bordados em tecidos e seda para a firma Morris.
Assim que as filhas de Morris atingiram idade suficiente, elas também se tornaram bordadeiras, trabalhando no estilo coletivo do sistema medieval que ele tanto admirava. Henry James, em uma carta para sua irmã escrita em 1869, registrou que Morris “trabalha ponto por ponto, com os próprios dedos, auxiliado sua esposa e suas filhas”. Neste mesmo ano, a mais velha, Jenny, tinha oito anos, enquanto May tinha sete, portanto o envolvimento delas no ofício evidentemente começou muito cedo. May se tornaria uma exceção à divisão sexual entre designer e executante. Treinada por seu pai, ela assumiu o comando completo da oficina de bordados da empresa em 1885, aos 23 anos.
Além da seção de bordados, a firma Morris empregava poucas mulheres em suas oficinas. Das inúmeras fotografias contemporâneas, apenas uma mostra mulheres trabalhando, neste caso tecendo tapetes (Figura 4).
As mulheres que trabalhavam na empresa Morris podem ser divididas em dois grupos: primeiro, membros da família ou amigas que ajudavam a gerir o negócio e estavam envolvidas na produção ativa mais ou menos o tempo inteiro, ou que, como Georgiana Burne-Jones, serviu como ajudante de meio período e, presumivelmente, de forma não remunerada. O segundo grupo era formado pelo número desconhecido de funcionárias assalariadas que, sob a supervisão de May Morris, produziam a maior parte dos bordados da empresa. O emprego de mulheres neste ramo tradicionalmente “feminino” do ofício, nada menos do que a rápida aquisição desse departamento por May Morris do seu pai, reforçou uma divisão sexual do trabalho que seria amplamente repetida em todo o movimento Arts & Crafts. Não está claro se May Morris recebia pagamento pelo seu trabalho ou se era simplesmente sustentada pelo pai como membro da família; é evidente, porém, que quando ela planejou se casar com Henry Halliday Sparling, ela foi forçada a experimentar uma vida frugal:
May está sozinha em Kelmscott Manor aprendendo a cozinhar e a viver com alguns xelins por semana. Ela está decidida a se casar sem esperar até que seu futuro marido consiga um emprego. Eu disse e fiz tudo o que pude para dissuadi-la, mas ela é uma tola e persiste (HENDERSON, 1967, p. 298).
Se ela recebia salários nesta altura, estes obviamente não eram suficientes para se sustentar, muito menos para sustentar a família. O casamento de Sparling com May Morris ocorreu em 1890, terminando em divórcio.
Em termos de status social, bem como de respeito próprio pessoal, a questão da remuneração pelo trabalho é de importância vital. Nessa época, o título “amador” era depreciativo e era atribuído com mais frequência às mulheres e ao seu trabalho. Tendo em conta a divisão ideológica entre as esferas pública e doméstica, e a não aceitabilidade social do trabalho remunerado para as mulheres da classe média, isto não é surpreendente. O epíteto “amador” era mais uma forma de desvalorizar o trabalho das mulheres.
O fato de os ofícios mais comumente praticados pelas mulheres refletirem padrões tradicionais de divisões sexuais do trabalho tem uma causa subjacente importante. Bordados, rendas, pintura em porcelana, joias, encadernação, ilustração e talha eram atividades que podiam ser realizadas em casa, muitas vezes sem a necessidade de uma oficina ou estúdio especial.
Trabalhar em casa colocava as mulheres numa posição de isolamento físico e psicológico não muito diferente daquela das mulheres trabalhadoras externas, exceto que estas últimas (por exemplo, na confecção de rendas) muitas vezes trabalhavam juntas para economizar luz e calor. Devido aos laços familiares ou à mobilidade limitada imposta socialmente, muitas artesãs funcionavam melhor em organizações de artes e ofícios flexíveis e pouco estruturadas. Elas tendiam a evitar oficinas fortemente unidas e orientadas para a produção.
Uma das organizações em que as mulheres estiveram envolvidas a todos os níveis foi a despretensiosa Home Arts and Industries Association (fundada em 1884), que foi provavelmente a mais influente de todas na disseminação dos ideais e das práticas do movimento Arts & Crafts. Esta organização, em termos práticos e ideológicos, tinha ligações mais estreitas com as atividades domésticas normalmente exercidas pelas mulheres. Contudo, os trabalhos da Home Arts and Industries Association – exibidos anualmente no Albert Hall em Londres – eram frequentemente ridicularizados como “amadores” pelos críticos.
O trabalho doméstico era de longe a forma mais comum de as mulheres praticarem um ofício no início da década de 1870. Devido aos problemas de formação e emprego (bem como às restrições sociais anteriormente mencionadas), havia relativamente poucas artesãs a trabalhar em ateliês externos. Para ultrapassar esta situação, um redator do Art Journal recomendou o desenvolvimento de empresas separadas dirigidas por mulheres, onde as elas pudessem contratar aprendizes. Argumentou-se que tal sistema “separatista” contornaria os problemas básicos das mulheres competindo com os homens, ameaçando os salários e a “masculinidade”, podendo eliminar as dificuldades de acompanhar as mulheres num ambiente de trabalho dominado pelos homens. O treinamento e o emprego de mulheres em um ambiente exclusivamente feminino eram praticados em instituições como a Royal School of Art Needlework, em South Kensington. As mulheres ali eram constantemente acompanhadas e enclausuradas de uma forma adequada à sua posição; a perda de status social devido ao emprego remunerado foi, portanto, reduzida.
O trabalho doméstico e a necessidade de discrição serviram para isolar as artesãs de classe média, e as organizações dominadas pelos homens do movimento Arts & Crafts reforçaram esse isolamento. A noção de fraternidade tão central para o movimento pode ter tido as suas origens no Renascimento Gótico e na Irmandade Pré-Rafaelita. A ligação masculina era o produto lógico de uma estrutura social que desencorajava a igualdade intelectual para com as mulheres e restringia as relações sociais entre os sexos a uma fórmula estreita e rígida. O status quo era evidente mesmo entre a elite “radical” do círculo de Morris.
Muitas das mulheres do círculo de Morris, incluindo a própria Jane Burden, eram oriundas da classe trabalhadora. Elas foram adotadas por esse grupo de intelectuais e estetas por sua beleza sensual e “sensualidade terrena”. No entanto, o código da moral vitoriana, aqui encoberto por traços de cavalaria medieval, significou que qualquer relação sensual direta foi abandonada por uma idealização distante. Era evidente que sexo e casamento eram incompatíveis.
Assim, não foi coincidência que tantas corporações de artes e ofícios – fundadas na visão vitoriana de algumas instituições medievais – fossem dominadas pelos homens. Ou, como no caso do poderoso Art Workers’ Guild (fundado em 1884), clubes exclusivamente masculinos. Embora o Women’s Guild, como ramificação do Art Workers’ Guild, tenha sido fundado em 1907, já era tarde demais para cumprir as funções necessárias nos primeiros anos do movimento – possibilitar às mulheres uma fonte de apoio mútuo, um senso de objetivos comuns e uma identidade compartilhada. Não houve qualquer tentativa de integrar homens e mulheres neste nível central e influente do movimento Arts & Crafts, nenhuma tentativa de institucionalizar padrões alternativos de divisões de trabalho entre homens e mulheres.
Este fracasso reforçou o sentimento de “alteridade” vivido pelas artesãs; alimentou o conflito entre uma identidade sexual e uma identidade profissional a que essas mulheres estavam sujeitas e, assim, reforçou os padrões sociais e de trabalho vitorianos mais amplos, em vez de fornecer uma alternativa genuinamente radical. Assim, apesar dos seus aspectos positivos, o movimento Arts & Crafts alienou ainda mais as mulheres, tentando conciliar os ideais opostos de “senhora” e “trabalho”, “mulher” e “artista”, privado e público.
Estas categorias ainda colocam problemas às mulheres e precisam ser questionadas continuamente, tanto no passado como no presente. É através destas categorias ideologicamente carregadas que o potencial criativo e a sexualidade das mulheres são definidos, e, portanto, limitados e contidos, dentro da ideologia dominante masculina.
REFERÊNCIAS
CALLEN, Anthea. Women Artists of the Arts and Crafts Movement, 1870-1914. New York: Pantheon, 1979.
ELLIS, Sarah. The Wives of England, Their Relative Duties, Domestic Influence and Social Obligations (London, 1843, p. 99-100). In: HOUGHTON, Walter. The Victorian Frame of Mind. New Haven: Yale University, 1957.
PARKER, Rozsika; POLLOCK, Griselda. Old Mistresses: Women, Art and Ideology. New York: Pantheon, 1981.
PARKER, Rozsika. The Word for Embroidery was WORK. Spare Rib, july 1975.
MORRIS, Barbara. Victorian Embroidery. London: Herbert Jenkins, 1962.
MORRIS, Jane. Carta de Jane Morris para Rosalind Howard (agosto de 1888). In: HENDERSON, Philip. William Morris, His Life, Work and Friends, 1967.