Fotografia, mero reflexo da realidade?

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Em um período conturbado, no qual fake news e suas respectivas imagens têm mediado escolhas e tomadas de decisão que influenciam toda a sociedade, é vital discutir a fotografia. A validação das imagens fotográficas como reflexos da realidade ou como a “verdade por correspondência” se deve a algumas razões como: a ideia de que a fotografia é produzida em conexão com o objeto representado por ela e a aura da objetividade visual da máquina fotográfica, relacionada ao pensamento positivista do século XIX, para o qual o instrumento era uma ferramenta científica para registrar a realidade precisamente.

Apesar da fotografia ser considerada um tipo de imagem “mais realista”, existem muitas diferenças entre ela e o mundo concreto que representa: a bidimensionalidade, a alteração das cores, a mudança das dimensões, a ausência de movimento, temperatura, odores e etc. Logo, apenas um aprendizado permite reconhecer na fotografia, um equivalente da realidade, pois “aquilo que se chama a ‘semelhança’ corresponde mais à observação de regras de transformação culturalmente codificadas dos dados do real do que a uma ‘cópia’ desse mesmo real” (JOLY, 1994, p. 66).

O teórico britânico-jamaicano Stuart Hall, que trouxe grandes colaborações para os Estudos Culturais, elaborou uma noção de representação que difere da ideia da mesma enquanto vestígio da realidade. Para Hall, a representação é compreendida como um ato criativo, que se refere ao que as pessoas pensam sobre o mundo, fazendo parte dos processos de construção social da realidade (ITUASSU, 2016).

A representação é fruto de uma prática social de produção e de compartilhamento de significados entre os membros de uma sociedade, envolvendo escolhas subjetivas, não sendo, portanto, neutra nem puramente técnica, uma vez que abarca decisões ideológicas. Logo, pode-se dizer que as fotografias não refletem apenas visões de mundo e relações de poder, mas as constroem visualmente, podendo hierarquizar diferenças e naturalizar desigualdades sociais (HALL, 2016; STURKEN e CARTWRIGHT, 2009).

Nesta perspectiva, em vista da hegemonia social que faz com que as imagens produzidas pelas classes dominantes predominem, podendo naturalizar as mais diversas formas de opressão, o olhar crítico sobre as representações é fundamental para perceber os mais variados tipos de interesses envolvidos na sua construção (MAUAD, 2005).

PS: Para ler a análise da fotografia da capa realizada pela antropóloga Lilia Schwarcz, acessar: https://revistazum.com.br/zum-quarentena/bolsonaro-e-seu-reino/

Referências

  • HALL, Stuart. Cultura e representação. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: Apicuri, 2016.
  • ITUASSU, Arthur. Hall, comunicação e política do real. In: HALL, Stuart. Cultura e representação. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: Apicuri, 2016.
  • JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. Campinas, SP: Papirus, 2000.
  • MAUAD, Ana Maria. Na mira do olhar: um exercício de análise da fotografia nas revistas ilustradas cariocas, na primeira metade do século XX. Anais do Museu Paulista, São Paulo, v.13, n.1, p. 133-174, jan. – jun. 2005.
  • STURKEN, Marita; CARTWRIGHT, Lisa. Practices of looking: an introduction to visual culture. New York: Oxford University Press, 2009.
Texto: Maureen Schaefer França
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