Mulheres na Tipografia: as primeiras designers de tipos móveis (parte 5)

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É possível que as mulheres, além de compor com tipos, também tenham desenhado letras e cortado tipos móveis. Mas apenas no início do século 20 tomou-se conhecimento do nome da primeira (?) designer de tipos. (PS: Entretanto, é importante pontuar que neste texto não contemplei mulheres do contexto oriental, que podem ter atuado no desenho de tipos móveis de argila na China entre outros países próximos à região, uma vez que não encontrei referências sobre o assunto).

A tipógrafa alemã Hildegarth Henning – formada pela instituição Königliche Akademie für graphische Künste und Buchgewerbe (Academia Real de Artes Gráficas e Comércio de Livros), que só passou a admitir os setores femininos a partir de 1905 – é considerada a primeira mulher a ser creditada pela criação de um tipo de fundição (REYNOLDS, 2022).  Em 1912, ela criou a fonte Belladonna – com possível inspiração no estilo Art Nouveau – para a fundição Julius Klinkhardt situada em Leipzig, na Alemanha (USANDIZAGA, 2018). No entanto, Hildegard não era funcionária da empresa, o que nos leva a supor que talvez ela tenha realizado este projeto como freelancer. Antes de Hildegard, outras mulheres chegaram a trabalhar em fundições alemãs em funções articuladas ao campo do design (REYNOLDS, 2022).

Tipografia Belladonna, criada em 1912 por Hildegarth Henning. Fonte: https://www.typeoff.de/2022/08/hildegard-hennings-belladonna-typeface-1912/
Capa frontal do livro da fundição Klinkhardt e página de listagem de tamanho do tipo Belladonna. Na parte inferior da página foram reproduzidas todas as letras maiúsculas e numerais de Belladona. Deutsche Nationalbibliothek Leipzig. n.d. (provavelmente, 1914). FONTE: REYNOLDS, 2022.

Hildegarth foi uma das várias estudantes cujo trabalho foi exibido em uma grande feira internacional realizada em Leipzig durante o verão de 1914, a Internationale Ausstellung für Buchgewerbe und Graphik (Exposição Internacional do Comércio Livreiro e Gráfico). Belladonna também foi incluída na exposição da fundição Julius Klinkhardt, realizada junto às exposições de outras fundições alemãs. Em um relatório oficial da exposição coletiva, 48 designers de tipos foram indicados, entre eles o de Hildegarth. O tipo de Hildegarth é frequentemente referido como “Kartenschrift Belladona” ou “Belladonna-Kartenschrift”. O termo Kartenschrift (fonte de cartão) indica onde Klinkhardt pretendia que Belladonna fosse usada em cartões, convites, menus, breves passagens de poesia e outros documentos curtos que se enquadrariam no escopo do trabalho de impressão (REYNOLDS, 2022).

Um livro da fundição Klinkhardt incluía duas páginas com amostras de cartões telefônicos ou cartões de visita com a fonte Belladonna. Cada cartão foi desenhado com mais de um tamanho da fonte Belladonna (REYNOLDS, 2022).

Amostras de cartões com a fonte Belladonna presentes no livro de amostras da fundição Klinkhardt. Fonte: REYNOLDS, 2022.

Um anúncio de 1921 da Belladonna também ilustra como o tipo de letra poderia ser usado.

Anúncio da fonte Belladonna no anuário de Klimsch, vol. 16 (1921-22), p. 138.

Nos Estados Unidos, em torno de 1916 ou 1917, a tipógrafa, ilustradora e impressora Elizabeth Colwell (ou M. Elizabeth Colwell), nascida em Chicago e formada pela School of the Art Institute of Chicago, desenhou os tipos Colwell’s Handletter e Colwell’s Handletter Italic para a ATF (American Type Founders) (JAY, 2016). Elizabeth também era conhecida pela criação de letterings, neste sentido, alguns pesquisadores afirmam que a fonte Colwell Handletter, na realidade, teria sido projetada por outra pessoa (talvez por Ned Hadley) com base em seu trabalho. Ademais, Elizabeth também teria criado uma fonte em estilo romano, possivelmente em 1923 (LU DEVROYE, 2023).

Colwell’s Handletter e Colwell’s Handletter Italic (1916/1917). Fonte: http://luc.devroye.org/fonts-51178.html
Fonte em estilo romano criada por Elizabeth Colwell em 1923.

Nos anos 1920, também foi criada a tipografia Ballé Initials por Maria Ballé, designer na empresa alemã Bauersche Gießerei, fundição fundada em 1837 na cidade de Frankfurt. No entanto, a fonte de Maria Ballé não teria sido criada a partir da fundição de tipos, mas da eletrotipagem como afirmam algumas fontes (KUPFERSCHIMD, 2017).

Tipografia Ballé Initials por Maria Ballé (anos 1920).

A alemã Franziska Baruch (Hamburgo, 1901 – Jerusalém, 1989) – formada pela Staatlichen Kunstgewerbeschule Berlin – criou vários tipos hebraicos. Nos anos 1920/1930 (?), ela criou as fontes Stam e Stam Mager para a fundição alemã Berthold, fundada em Berlim por Hermann Berthold em 1858. Nas décadas de 1920 e 1930, ou seja, no período entre guerras, ela fez carreira como designer na Alemanha e em 1933, ela emigrou para a Palestina e depois para Israel. Ela também criou outras fontes hebraicas como Rambam, Rahel, Staam Hasofer (1936, agora na Masterfont) e Shocken, uma fonte personalizada. Muito de seu design gráfico para o Estado de Israel e para seus clientes israelenses foi significativo, no entanto, ela nunca escreveu sobre seu trabalho (KUPFERSCHIMD, 2017; LUC DEVROYE, 2023).

Francisca Baruch, foto por Alfred Bernheim. Fonte: KUPFERSCHIMD, 2017.
Rascunho de desenho de Franzisca Baruch para a capa do jornal diário Haaretz (1936-1937). Fonte: KUPFERSCHIMD, 2017.
Exemplos de aplicação do “Stam” desenhado por Franzisca Baruch no livro de amostras de tipos de letra H. Berthold (por volta de 1930). Fonte: KUPFERSCHIMD, 2017.
Rambam de Franziska Baruch. Fonte: LUC DEVROYE, 2023.
Staam Hasofer M F de Franziska Baruch, 1936. Fonte: LUC DEVROYE, 2023.
Stam, Franziska Baruch, 1936. Fonte: LUC DEVROYE, 2023.

A pesquisadora, tipógrafa e professora alemã Indra Kupferschmid (1973-), que leciona na Hochschule der Bildenden Künste Saar, em Saarbrücken na Alemanha, indica ainda outros nomes de mulheres designers de tipos além dos já citados, como as alemãs: Elizabeth Firedländer, criadora da fonte Elizabeth (1937)para a empresa Bauer; Ilse Schüle, autora do tipo Rhapsodie (1951), criado para a fundição Ludwig & Mayer; Gudrun Zapf von Hesse, designer da fonte Diotima (1952-1954) para Stempel AG e também de Ariadne (1953) e Smaragd (1954); e Anna Maria Schilbach, criadora da fonte Montan (1954) para Stempel.

Indra acrescenta ainda que essas mulheres foram creditadas pelo design de tipos, tendo trabalhado, por vezes, em escritórios de design e produção de tipos, no entanto, permaneceram desconhecidas.

Sendo assim, apesar das poucas informações, podemos concluir que na Alemanha e nos Estados Unidos, algumas mulheres passaram a desenhar tipos de forma independente (ou seja, como freelancers) ou como empregadas de fundições de tipos. Algumas delas chegaram a atuar em mais de um país; a ter seus trabalhos divulgados em exposições e reconhecidos em relatórios oficiais; a ter seus desenhos de fontes reproduzidos a partir da tipografia ou da eletrotipagem; e a criar letras a partir da técnica de lettering. Tais práticas indicam que as mulheres ganharam mais espaço no mundo da tipografia, reflexo da reivindicação de seus direitos.    

REFERÊNCIAS

JAY, Alex. Creator: Elizabeth Colwell (2016). Disponível em: <http://alphabettenthletter.blogspot.com/2016/03/creator-elizabeth-colwell.html>. Acesso em: 31/07/23.

KUPFERSCHIMD, Indra. First/early female typeface designers. https://www.alphabettes.org/first-female-typeface-designers/

LUC DEVROYE. Elizabeth Colwell (2023). Disponível em: <http://luc.devroye.org/fonts-51178.html>. Acesso em: 31/07/23.

LUC DEVROYE. Franzisca Baruch (2023). Disponível em: <http://luc.devroye.org/fonts-36648.html>. Acesso em: 31/07/23.

REYNOLDS, Dan. Hildegard Henning’s Belladonna typeface (1912). Disponível em: <https://www.typeoff.de/2022/08/hildegard-hennings-belladonna-typeface-1912/?fbclid=IwAR2pk5J4Ay7XY9T-x-yDsatbIz3bOpKTMHhSgVGuAr7h_cA5kdyrcX8KHhY>. Acesso em: 17/05/2023.

USANDIZAGA. Mulheres e tipografia: anônimas com nome (2018). Disponível em: <https://www.usandizaga.com/design/mujeres-y-tipografia/>. Acesso em: 17/05/2023.

Texto + design: Maureen Schaefer França
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