Mulheres na Tipografia: Ruth C. Ellis (EUA, 1899-2000)

0 Compartilhamentos
0
0
0
0
0

A afro-estadunidense Ruth Ellis, que viveu mais de 100 anos, foi um ícone queer e a primeira mulher a administrar sua própria gráfica no estado de Michigan.

No último ano do século 19, quando a maioria dos estadunidenses não tinha eletricidade ou banheiros em casa, nasceu uma menina chamada Ruth Charlotte Ellis em Springfield, capital do estado de Illinois. Ela era a única filha mulher de Carrie Farro Ellis e de Charles Ellis (primeiro carteiro negro de Illinois), a priori, concebidos nos últimos anos da escravidão. Carrie faleceu quando sua filha tinha apenas 12 anos, deixando Ruth para ser criada por seu pai e seus três irmãos. Ruth cresceu em um bairro “integrado” de Springfield, vivenciando o racismo. Seu pai, inclusive, foi alvo de ataques depreciativos de seus colegas carteiros e da imprensa local (LETTERPRESS PLAY, 2020).

Ruth Ellis e seus irmãos. Fonte: https://thevelvetchronicle.com/lesbian-icon-ruth-ellis/

Ruth viveu abertamente como lésbica ao longo de sua vida, inclusive, durante um período no qual ser uma pessoa LGBT era considerado ilegal. Em entrevistas, ela afirmou que nunca teve que se assumir formalmente para seu pai e irmãos, uma vez que eles a aceitaram sua sexualidade sem julgamento (LUPTON, 2021; GRAFICHETURATO, 2023; LETTERPRESS PLAY, 2020).

Ruth jovem. Fonte: https://thevelvetchronicle.com/lesbian-icon-ruth-ellis/

A vida de Ruth na década de 1920 não é muito comentada, mas é provável que nessa época ela tenha começado a trabalhar em uma gráfica em Springfield. No I.E. Foster & Co., ela aprendeu a imprimir e a compor. Na década de 1930, Ruth conheceu sua futura parceira de longa data, Ceciline “Babe” Franklin, cujo apelido estava relacionado ao fato de ela ser dez anos mais nova (LETTERPRESS PLAY, 2020).

Em 1937, Ruth e Cecile se mudaram para Detroit. Ruth começou a ganhar dinheiro cuidando de crianças pequenas enquanto Cecile trabalhava como cozinheira. Mas logo ela conseguiu um emprego na gráfica Waterfield & Heath, onde ela imprimiu por quase 10 anos. Quando Henry, seu irmão médico, faleceu, ela recebeu uma grande quantia em dinheiro para abrir uma gráfica com Cecile no primeiro andar da casa delas. Ela a nomeou Ellis & Franklin Printing Co. (LETTERPRESS PLAY, 2020). Ruth lembrou mais tarde: “Eu estava trabalhando para um impressor e disse a mim mesma: se posso fazer isso por ele, por que não posso fazer isso sozinha?” (LUPTON, 2021).

Como já indicado, Ruth foi a primeira mulher a ter uma gráfica no estado de Michigan e se manteve ocupada imprimindo artigos de papelaria, pôsteres, folhetos e rifas para igrejas e empresas, usando uma prensa de rolos, também chamada de “jobber”. Este tipo de impressora era comumente usado em pequenos estabelecimentos de impressão (LUPTON, 2021).

Ruth trabalhando em sua gráfica. Fonte: https://thevelvetchronicle.com/lesbian-icon-ruth-ellis/
Fotografia de estúdio de Ruth Ellis, cerca de 1952. Fonte: https://www.hmdb.org/m.asp?m=182819

A casa de Ruth e Cecile era tanto uma impressora tipográfica quanto um vibrante local de encontro – conhecido como “The Spot” – para a comunidade LGBT afro-estadunidense de Detroit. Ruth e Cecile ofereceram assistência a jovens que precisavam de comida, estudo, livros ou um lugar para ficar (LUPTON, 2021).

Festa no quintal de Ruth e Cecile. Fonte: https://thevelvetchronicle.com/lesbian-icon-ruth-ellis/
Festa no quintal de Ruth e Cecile. Fonte: https://thevelvetchronicle.com/lesbian-icon-ruth-ellis/

Na década de 1960, Ruth e Cecile foram forçadas a deixar sua casa devido à gentrificação e as duas se separaram. Ruth era uma mulher temente a Deus que gostava de passar o tempo em sua igreja, enquanto Cecile gostava de “beber, ir a bares e jogar”. Ruth disse que, embora não tivesse certeza se realmente amava Cecile, o relacionamento de 30 anos foi bem-sucedido porque “os opostos se atraem”. Elas mantiveram contato até que Cecile faleceu de ataque cardíaco em 1975 (LETTERPRESS PLAY, 2020).

Quando Ruth tinha cerca de 70 anos, a Revolta de Stonewall eclodiu na cidade de Nova Iorque, trazendo novo poder e visibilidade à luta pelos direitos LGBTIA+. Nessa época, Ruth conheceu o movimento feminista lésbico em Detroit e foi convidada para participar de marchas e falar em eventos, defendendo a equidade entre gays e lésbicas (LUPTON, 2021; LETTERPRESS PLAY, 2020).

Em seu centésimo aniversário, Ruth liderou a marcha anual de São Francisco em 1998 e foi homenageada com um documentário sobre sua vida – Living with Pride: Ruth C. Ellis @ 100, dirigido por Yvonne Welbon – e foi procurada para ser entrevistada pelo programa da Oprah. Ela permaneceu ativa na comunidade até o dia em que morreu aos 101 anos. Um mês antes de falecer, ela pode comparecer à inauguração de um prédio: o Ruth Ellis Center, localizado em Detroit, um lugar onde jovens LGBTQ em situação de vulnerabilidade podem encontrar apoio emocional, cuidados médicos e de saúde mental. “Fico surpresa em pensar que a pequena e velha Ruth Ellis chegou tão longe”, disse ela. “Não sei como aconteceu. Foi um milagre para mim ver meu nome em um prédio, o Ruth Ellis Center, que cuida de jovens.” (LUPTON, 2021; LETTERPRESS PLAY, 2020).

Ruth Ellis. Foto: Catherine Crouch
Ruth Ellis Center. Fomte: https://www.lbba.com/work/ruth-ellis-clairmount-center/

REFERÊNCIAS

GRAFICHETURATO. Ruth Ellis, tipografa (2023). Disponível em: < https://graficheturato.it/ruth-ellis-tipografa-attivista-e-icona-lgbtq-5/>. Acesso em: 22/08/23.

LETTERPRESS PLAY. Meet the presses: Ruth Ellis, Detroit printer and black lgbtq icon (2020). Disponível em: <https://letterpressplay.com/blogs/blog/meet-the-presses-ruth-ellis-detroit-printer-and-black-lgbtq-icon>. Acesso em: 22/08/23.

LUPTON, Ellen. Life – Ruth Ellis. In: LUPTON, Ellen et al. Extra Bold: a feminist inclusive anti-racist non-binary field guide for graphic designers. New York: Princeton Architectural Press, 2021.   

Texto: Maureen Schaefer França
Você também pode gostar