Não existe kitsch, apenas design

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Resumo do texto “There is no kitsch, only design” dos autores Gert Selle e Peter Nelles

Muitas teorias acerca do Kitsch tratam o fenômeno como algo pejorativo, depreciando suas características culturais. Este fato acabou diminuindo as pesquisas sobre a temática durante algum tempo, sendo resgatada recentemente. 

A exposição “Genial Design of the 80’s: Objects of Desire and Daily Use”[1] , por exemplo, foi uma provocação aos cânones do design, violando as diretrizes da educação do gosto do consumidor e a beleza convencionada de certos objetos construída por designers “progressistas”. Alguns designers parecem atuar como guardiões culturais do consumo, ditando o uso correto dos produtos e a moral das coisas, menosprezando a agência das pessoas.  

Muitos designers buscam distanciar as pessoas do Kitsch, em direção ao uso supostamente racional dos artefatos, concebidos para um determinado fim. Contudo, as pessoas têm desenvolvido e implementado suas próprias ideias em relação ao consumo de objetos, um processo com consequências imprevisíveis, tensionando teorias rígidas e conservadoras de design.

Designers de produtos triviais muitas vezes se tornam invisíveis, sendo excluídos dos circuitos de premiações e exposições institucionalizadas. Nesta perspectiva, a exposição “Genial Design of the 80’s” mostrou artefatos considerados comuns, ordinários, aquilo que boa parte das massas deseja e considera bonito. A seleção abarcou produtos coloridos, brincalhões, inspirados em múltiplas temáticas do cotidiano, filiados, por vezes, ao design pop.

Apesar de alguns designers, como os italianos do Anti-Design da década de 60, questionarem os cânones do design racionalista a partir de designs irônicos e debochados, os consumidores tendem a encará-los como objetos de desejo, levando isso a sério. O objetivo da supracitada exposição foi tornar visível a riqueza de ideias, a variedade das formas e as possibilidades abertas de interpretação destes objetos.  

Design, uso e a resistência das massas

A exposição serviu como crítica da prática oficial de design e das teorias de uso dos produtos. Os significados dos objetos são passíveis de mudança, pois interagem com valores, sonhos, desejos e receios da sociedade. Neste sentido, os guardiões do design parecem perder o controle sobre tais objetos, que ao interagirem com as pessoas podem evocar significados não imaginados pelos designers, sendo que estes podem conflituar com conceitos pré-concebidos para os mesmos.

A preferência por gnomos, golfinhos, pistas de boliche, horóscopo pode ser vista por alguns críticos como uma escolha superficial e imatura pelas massas supostamente “indefesas”. Este tipo de visão reforça a ideia de passividade e manipulação das massas, menosprezando a agência e o potencial criativo das pessoas. O que para alguns críticos trata-se de manipulação, para outros pode ser visto como uma forma de resistência e não-aceitação daquilo que lhes é proposto.

A escolha de artefatos está articulada, em parte, à tentativa das pessoas de expressarem seu estilo de vida. A liberdade de formas, cores, texturas e temas dos produtos pode ser vista como uma desordem para alguns estudiosos, algo deficiente, precário que precisa ser remediado.

Esta forma de produção – colorida, divertida, ornamentada – pode ser considerada como uma estratégia desonesta, pois presumidamente enganaria os consumidores e criaria divisões de classe. Contudo, o design baseado em valores socialistas (simplicidade, objetividade, padronização e etc.) também pode ser considerada uma prática pouco democrática ao impor para a sociedade aquilo que considera belo e funcional, educando as massas a aceitarem e solicitarem produtos com características que julgam ideais.

A diversidade dos objetos parece dialogar com os interesses sociais e individuais, apresentando complexidade em relação ao uso e à recriação das coisas. A maior democratização do design ocorreu de uma maneira que surpreenderia qualquer um dos integrantes da Werkbund. O “não-design”, classificado assim por aqueles que defendem o Good Design, pode ser considerado hoje como o design para a maioria. O design do dia a dia pode ser chamado, portanto,  de genial, pois resgata a função social prometida pelo “high” design. O design mais acessível possibilita que as pessoas determinem o valor de uso dos artefatos, questionando os significados atribuídos a eles pelos designers. Ou seja, os significados possíveis dos objetos não se restringem à “mente” dos designers, uma vez que precisam ser validados socialmente.

A inadequação do conceito Kitsch

As repetidas tentativas dos designers defensores do Good Design de educar o gosto dos consumidores foram resistidas pelo design que permeia a casa das pessoas. O conceito Kitsch é uma invenção do século XIX em um momento em que se buscava reestabelecer firmemente a hierarquia das posições sociais. Mas hoje em dia, este conceito é limitante e obsoleto. Parece extremamente duvidosa a classificação das manifestações estéticas da cultura contemporânea em produtos kitsch e não kitsch. Julgamentos de gosto são julgamentos de pontos de vista, portanto algo subjetivo e evasivo. Não existe um “bom gosto” absoluto.  

Logo, a exposição não é uma coleção de exemplos Kitsch, mas uma referência das orientações estéticas da grande maioria, que protesta contra a possibilidade de que esses objetos, cheios de memória, desejo e experiências sejam Kitsch e portanto, algo inferior. O design do dia a dia atrai as pessoas, que de uma forma irônica ou não podem experimentar a si mesmas, como uma espécie de jogo. O fantástico alien fascina e desperta a curiosidade.

Conclusão

Um trabalho pedagógico de cunho cultural deve ser realizado de acordo com o contexto social, e não contra ele, seja por parte de professores, designers ou instituições. Criticar os produtos que uma camada social utiliza é ir contra ela e contra seus valores, desejos e condição econômica. A entrada da pós-modernidade pode significar que a era das irreconciliáveis cultura “baixa” e “alta” terminou. A guarda dos supostos bons valores estéticos foi rompida.

Quanto à moralidade desse mundo fantástico dos fenômenos em que tudo é permitido para agradar, constituindo significados no entrançar das relações sociais e formas de expressão, deve-se enfatizar que o kitsch, muitas vezes representado como algo ruim, pode ser mais humano, econômico e racional do que o design de armas, que tem o potencial de ameaçar a vida de todos nós.

Referência

SELLES, Gert; NELLES, Peter. There is No Kitsch, There is Only Design! In: Design Issues, vol. 1, n. 1, pp. 41-52.

Resumo: Maureen Schaefer França

[1] Realizada na IDZ (International Design Center), em Berlim entre 22/04 a 29/05 de 1983.

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