Resenha: O design brasileiro antes do design

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CARDOSO, Rafael (Org.). O design brasileiro antes do design: aspectos da história gráfica, 1870-1960. São Paulo: Cosac Naify, 2005. 360 p.

Autores: Ariadne Grabowski (1) + Augusto Meurer (2)

Resumo: O objetivo do trabalho é apresentar uma resenha do livro O design brasileiro antes do design: aspectos da história gráfica, 1870-1960, organizado por Rafael Cardoso Denis, publicado em 2005. Nos apoiamos nos debates realizados na disciplina de Teoria e História do Design, vinculada ao Programa de Pós-graduação em Design da Universidade Federal do Paraná (UFPR), sobretudo a partir das articulações com as teorias de Isabel Campi em La Historia y las Teorías historiográficas del Diseño (2013) e de Adrian Forty em Objetos de desejo (2007). Como resultado, esperamos explicitar os recortes realizados pela organização do livro, que a partir das análises tecidas na disciplina, podem ser mais bem contextualizados e compreendidos.

Palavras-chave: design; design brasileiro; história do design; história gráfica.

O livro organizado por Rafael Cardoso Denis (Rio de Janeiro, 1964), historiador da arte e escritor de ficção, membro do Programa de Pós-graduação em História da Arte da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, propõe um recuo na historiografia do design brasileiro por meio de uma coletânea com nove estudos de casos situados no final do século XIX e primeira metade do XX, intitulada O design brasileiro antes do design: aspectos da história gráfica, 1870-1960. Os estudos corroboram o argumento de que existiram atividades projetuais com alto grau de complexidade conceitual, sofisticação tecnológica e valor econômico aplicadas à produção, circulação e consumo de produtos no período.

Antes de adentrar na síntese dos capítulos iniciais, se faz necessário apresentar brevemente a discussão teórica que orientou a elaboração da resenha. Cardoso, em seu livro Introdução à História do Design, argumenta que “a resistência ao capitalismo industrial nasceu praticamente junto ao próprio sistema, e o design logo passou a ser visto como uma área fértil para a aplicação de medidas reformistas” (CARDOSO, 2002, p. 76). Essa formulação é filiada à ideia de Adrian Forty, de que “a maioria das sociedades em que o capitalismo criou raízes mostrou resistência à novidade das coisas, novidades que eram tão evidentes na Inglaterra do século XVIII quanto são hoje nos países em desenvolvimento” (FORTY, 2007, p. 20). Em outras palavras, os autores indicam que existe uma tendência à resistência ao “novo” e ao “desconhecido” nas sociedades modernas em decorrência de uma série de medidas provocadas pelo capitalismo industrial, que são descritas como “progresso” (FORTY, 2008). Nesse processo, o design tem a capacidade de “disfarçar, esconder e transformar” (FORTY, 2007, p. 22).

A teoria de Forty, de que o design ajuda a superar a resistência à novidade, serve como pano de fundo para a articulação entre os capítulos iniciais da coletânea. Em todos, é evidente como as práticas projetuais se deram por meio de uma conjugação de linguagens com o objetivo de criar uma “tradução” para o público, ou, pelo menos, como uma maneira de obter a aceitação das mudanças em curso. Os(as) autores(as) do livro argumentam que o projeto de modernização brasileiro se deu primeiro no plano do imaginário, por meio do uso de imagens (3) que expressavam valores de industrialização, civilização e progresso.

Lívia Lazzaro Rezende, professora visitante da Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI, -UERJ), examina o registro de marcas e de rótulos como fenômeno histórico e cultural na sociedade carioca a partir de 1875 no capítulo A circulação de imagens no Brasil oitocentista: uma história com marca registrada. Em Do gráfico ao foto-gráfico: a presença da fotografia nos impressos, Joaquim Marçal Ferreira de Andrade, designer, pesquisador e curador da Biblioteca Nacional, aborda o início da utilização de fotografias em periódicos e revistas ilustradas no Rio de Janeiro. Nessa transição, os processos fotográficos materializavam alguns avanços tecnológicos em uma linguagem inteligível para o público que resistia às mudanças que estavam em curso. Assim como nos capítulos A Maçã e a renovação do design editorial na década de 1920, escrito por Aline Haluch, designer e professora assistente no Centro Universitário Ibmec (IBMEC-RJ), e J. Carlos, designer, por Julieta Costa Sobral, artista visual e professora na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), que aborda um período de amadurecimento da atividade projetual devido ao uso mais sistemático do projeto gráfico como apelo comercial.

Os três capítulos seguintes têm o objetivo de investigar a história do design de livros no Brasil. Primeiramente, no texto O início do design de livros no Brasil, Rafael Cardoso descreve as primeiras décadas dessa prática projetual no país. Para isso, estabelece como marco inicial do design de livros a produção de ilustração de capas, a partir de 1918. Em seguida, no texto Santa Rosa: um designer a serviço da literatura, as autoras Edna Lúcia Cunha Lima, professora na Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio) e Márcia Christina Ferreira, professora na Universidade de Brunel (Inglaterra), apresentam a trajetória profissional do designer Tomás Santa Rosa. Cardoso conclui essa temática com a seleção do texto Ernst Zeuner e a Livraria do Globo, por meio do qual Leonardo Menna Barreto Gomes, professor na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) expõe o percurso profissional do designer de livros Ernst Zeuner, que trabalhou com projetos editoriais na Livraria do Globo.

Os dois últimos capítulos, Os baralhos da Copag e Capas de discos: os primeiros anos — escritos respectivamente por Priscila Farias, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP) e Egeu Laus, designer de capas de discos —, investiga as alterações (ou manutenções) entre os modelos de baralho projetados pela Copag no século XX e sobre o design de capas de discos no Brasil. Esses textos partem de um delineamento das práticas profissionais, com ênfase nos aspectos visuais dos objetos de estudo. Destacam-se pela abordagem técnica, que prioriza a descrição de soluções projetuais. Assim, diferenciam-se dos textos anteriores, os quais são pautados por revisões históricas que buscam ampliar os contextos sociais (políticos, econômicos ou culturais).

Certas questões são importantes de serem pontuadas. Em especial, a ideia de “design brasileiro”, que o livro aciona. Dessa forma, tomamos a estratégia de localizar as vinculações dos(as) autores(as) do livro, com o intuito de evidenciar como os recortes estabelecidos no livro delimitam um campo de atuação no design e sua história. Algumas dessas indagações foram formuladas na disciplina de Estudos em Teoria e História do Design (4) a partir das fichas de perfil dos(as) autores(as). Notamos que seis dos nove participantes (incluindo o organizador, Rafael Cardoso Denis) possuem alguma relação com a cidade do Rio de Janeiro, mais especificamente com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), com exceção aos textos finais que contemplam estudos relacionados às cidades de São Paulo-SP e Porto Alegre-RS. Além disso, os acervos consultados estão situados na capital fluminense, a saber, Arquivo Nacional, Biblioteca Nacional, Academia Brasileira de Letras e Fundação Casa de Rui Barbosa. A vinculação com a cidade do Rio de Janeiro-RJ é marcada também, pela produção literária (5) de Cardoso, com histórias circunscritas no contexto social carioca.

Posto isso, destacamos que a ideia de um “design brasileiro antes do design” mencionada na introdução do livro, embora justificada pelo organizador como atendendo à intenção de evidenciar o design como lugar discursivo em disputa, tangencia uma ideia de design marcada por condicionantes socioculturais situadas e específicas, de forma geral, as do Rio de Janeiro. Tais marcadores — para além das localidades apontadas, não dão conta de sintetizar as práticas projetuais que aconteciam no recorte temporal proposto, pois certamente não ocorreram de modo uniforme em todo o território brasileiro —, ficam mais evidentes a partir da seguinte indagação: quais atividades são consideradas “fazer design”, nesta coletânea? E o que significa “fazer design brasileiro”?

As práticas projetuais, descritas no livro por meio da análise de imagens, geralmente aparecem vinculadas a lugares específicos (eixo Sul e Sudeste), a determinados modos de produção (industriais) e materialidades (gráfica e editorial). Embora Cardoso denote que está mais interessado nas disputas em torno da aplicação do termo “designer”, do que no sentido da palavra em si, ao considerar revistas e jornais ilustrados, livros e discos (reforçamos o viés editorial destes artefatos) como produtos fabricados por meio de processos mecânicos e de alta seriação (indústria gráfica), uma posição conceitual é demarcada.

Apresentamos a provocação formulada por Isabel Campi (Barcelona, 1951), designer, pesquisadora e professora no Istituto Europeo di Design Barcelona e da Escuela Eina, que reitera a importância de investigar, no mundo dos objetos, a determinação de quais são aqueles que entram (ou não) na história do design. Campi (2013) considera a abordagem industrial restritiva por excluir dos relatos históricos a produção de regiões que, mesmo com uma indústria pouco mecanizada, desenvolveram um design sofisticado ou mesmo a produção artesanal, que incorporou o design como um fator de modernização.

Entendemos que as escolhas da organização põem ênfase na análise de imagens e procuram mapear quais elementos plásticos e simbólicos incorporaram valores de industrialização, civilização e progresso, relevantes para o período. Tais escolhas se relacionam ao argumento geral do livro, de que o processo de modernização capitalista da sociedade brasileira se deu primeiro no plano do imaginário.

Portanto, faz-se necessário localizar as práticas profissionais descritas no volume para, com isso, entender quais transformações (sociais, econômicas, culturais, urbanas, institucionais) aconteciam no país e que favoreceram a profissionalização do design ou, como entendido por Cardoso, de atividades projetuais que compartilhavam o mesmo universo histórico do design moderno, ainda que houvesse disparidade entre as épocas de atuação.

REFERÊNCIAS

CARDOSO, Rafael (Org.). O design brasileiro antes do design. Aspectos da história gráfica, 1870-1960. Cosac Naify, São Paulo; 1ª edição, 2005.

CARDOSO, Rafael. Design, indústria e consumidor moderno, 1850-1930. In: Uma introdução à História do Design. São Paulo: Edgard Blucher, 2002. pp. 76-119.

CAMPI, Isabel. Teorías Historiográficas del Diseño. In: La Historia y las Teorías historiográficas del Diseño. México: Editorial Designo, 2013. pp. 33-103.

FORTY, Adrian. Objetos de desejo. São Paulo: CosacNaify, 2007.

Notas de rodapé:

(1) Doutoranda em Design pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), na linha de pesquisa Teoria e História do Design. Mestre em Tecnologia e Sociedade pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná, na linha de pesquisa Mediações e Culturas (2021). Possui formação em Bacharelado em Design pela UTFPR, com habilitação em design gráfico e de produto (2016). Graduação-sanduíche na Universidad de Sevilla (US) pelo Programa Ciência sem Fronteiras (2014-2015). Participa dos grupos de pesquisa: Design e Cultura (UTFPR) e Cartografias da Cultura Material Recente (UFPR). Realiza pesquisa sobre as seguintes temáticas: cultura visual, cultura material, acervo, museu, imagem e fotografia.

(2) Mestrando em design pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), na linha de pesquisa Teoria e História do Design. Possui pós-graduação lato sensu pela Universidade da Região de Joinville (Univille) em UX Design (2021) e formação em Bacharelado em Design pela Univille, com habilitação em design de produto (2018). Participa do grupo de pesquisa Cartografias da Cultura Material Recente (UFPR). Realiza pesquisa sobre as seguintes temáticas: memória, trabalho e história do design.

(3) Nessa acepção, as “imagens” são entendidas como produtos do capitalismo industrial.

(4) Disciplina vinculada à Linha de Pesquisa Teoria e História do Design, ministrada pelo prof. Dr. Ronaldo de Oliveira Côrrea no período de março a maio de 2022, no Programa de Pós-Graduação em Design da Universidade Federal do Paraná (PPGDesign-UFPR).

(5) As obras Maneira Negra (2000), Entre as Mulheres (2007) e O Remanescente (2016), livros de ficção publicados por Rafael Cardoso, têm suas histórias situadas no estado do Rio de Janeiro.

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