Terno, traje colonial?

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O terno é produto do distanciamento que se delineou, em diversos países europeus, entre as esferas pública e privada. Desde o século XVI, as mulheres das camadas médias passaram a ser excluídas gradativamente da vida política e comercial das cidades, sendo restringidas, em grande medida, à esfera privada entre os séculos XVIII e XIX, quando os processos de industrialização e de urbanização transformaram as relações de gênero vigentes no período.

Neste contexto, o espaço privado foi definido como o lugar da nutrição, do lazer e do descanso estando fundamentado na crença das mulheres como responsáveis pelo cuidado do lar, do marido e dos filhos enquanto o espaço público foi caracterizado como o lugar do trabalho, da economia e da política, estando associado a ideia dos homens enquanto provedores da família. Uma das razões pelas quais essa ideologia foi tão duradoura se deve ao fato de que a mesma protegeu ocupações e territórios masculinos da “invasão” feminina. Nesta conjuntura, as vestes das mulheres burguesas se tornaram mais ornamentadas do que as dos homens, passando a representar o status econômico de maridos, pais e amantes, enquanto as deles se tornaram mais práticas em virtude do trabalho. Neste cenário, homens passaram a usar o terno, sendo este composto por três peças – calça, colete e paletó -, comumente, produzido com tecidos que permitiam maior liberdade de movimento e cores que evocavam seriedade e credibilidade.

O terno contrasta com vestes ornamentadas usadas por homens em épocas anteriores (a lembrar da moda masculina do período de Luís XIV) e em outras culturas (africanas, indígenas, indianas, etc.). Darwinistas culturais do século XIX atribuíram essa diferença à compreensão de que o terno seria a prova da chegada do homem ocidental ao topo da “escada evolucionária”. Comparar um “homem de negócios” com um homem vestido de forma mais extravagante de épocas anteriores e sociedades não-industrializadas parecia confirmar que o terno representava o triunfo do intelecto sobre a emoção ou da civilização sobre o “primitivismo”.

Para aqueles que acreditavam que homens eram pessoas mais evoluídas do que mulheres, esta visão também parecia explicar porque as roupas femininas eram mais ornamentadas do que as masculinas. Neste sentido, se acreditava que as mulheres poderiam evoluir, em algum momento, por meio da adoção de vestes racionais como o terno (contudo, vale salientar que a incorporação do terno pelas mulheres ao longo dos anos foi atravessada por opressões) ou que elas teriam sido selecionadas para serem seres ornamentais de modo a cumprir seu “destino biológico”, ou seja, atrair parceiros para as sustentarem e produzirem descendentes. Sendo assim, o terno parece estar ligado, historicamente, às articulações entre capitalismo, patriarcado e racismo, uma vez que parece dar sustentação material as supostas diferenças intelectuais entre homens brancos e não-brancos; homens de camadas abastadas e desfavorecidas; como também entre homens e mulheres.

Deste modo, apesar do terno remeter a uma veste racional, o mesmo parece ter sido naturalizado enquanto um traje da branquitude masculina adulta, indicando que dependendo do homem que o incorpora, os significados podem variar, pois alguns corpos são mais valorizados socialmente, em virtude das masculinidades normativas. Sendo assim, um homem muito magro de terno pode ser visto como menos poderoso do que um homem mais robusto que usa o mesmo traje. Assim como um homem branco de terno pode ser lido como um “homem de negócios” enquanto um homem negro pode ser associado a um chaffeur ou segurança, uma vez que corpos negros foram articulados pela modernidade colonial a ideia de prestação de serviço e força física.

Texto: Maureen Schaefer França
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