Valentina Kulagina foi uma artista e designer que nasceu em 1902 em Moscou, na antiga União Soviética. Participou do movimento de vanguarda conhecido como Construtivismo russo, que defendia uma nova percepção de arte a partir da propaganda revolucionária ligada aos bolcheviques. Sua história no movimento começou quando integrou a Vkhutemas, uma escola técnica de artes estatal, na qual Gustav Klutsis, o precursor da fotomontagem, lecionava. Os dois se casaram e passaram a morar juntos na escola.
A primeira exibição de seu trabalho ocorreu em 1925 e três anos depois, ela participou da organização da seção soviética da exibição de Pressa, em Cologne, Alemanha, e se juntou ao grupo de artistas October, exibindo seu trabalho na exposição coletiva de 1930, em Moscou (IVAM). Trabalhou também para a IzoGiz (State Publishing of Fine Art) e para a VOKS (All-Union Society for Cultural Relations with Foreign Countries), sendo uma referência importante junto ao seu marido, recebendo comissões nacionais e internacionais para cartazes, designs de exposições e livros.
Kulagina continuou exibindo seus trabalhos pela União Soviética e pela Europa, como nas exposições Berlin’s Photomontage, em 1931, e The Poster in the Service of the Five-Year Plan exhibitions, até a prisão de seu marido durante as perseguições Stalinistas (IVAM). Gustav Klutsis foi assassinado, mas Kulagina continuou seu trabalho como designer para a VSKhV (The All-Union Agricultural Exhibition) e passou o resto da sua vida acreditando que Klutsis havia morrido de infarto na prisão.
Apesar da criação do estilo de fotomontagem ter sua origem na arte de Gustav Klutsis, a arte de Valentina se diferencia da de seu marido, pois a artista utiliza diferentes recursos para a produção de seus cartazes, pela fotografia e o desenho figurativo. No cartaz International Working Woman’s Day is the Fighting Day of the Proletariat, de 1935, é possível contemplar a forma de expressão da artista, com a contraposição entre a ilustração do rosto da mulher, apresentando linhas duras e um aspecto quase escultural, com seus olhos voltados para o futuro, e as fotos inseridas ao fundo, que apresentam mulheres em atividades revolucionárias, como segurar uma arma, além de uma imagem de violência policial contra as mulheres.
Essa obra de Kulagina é um exemplo de como seu design encontrava espaço nesse período de revolução, demonstrando também a importância da força feminina, característica popularizada nas criações desta época. Além disso, era uma grande crítica da objetificação ocidental da mulher, por isso em muitos de seus cartazes as mulheres possuem traços marcantes, geometrizados e fortes, além de utilizar fotografias que representassem as mulheres soviéticas.
Em Shock Workers of the Factories and Collective Farms! Join the Rows of the VKP!, de 1932, é possível perceber mais claramente o retrato de mulher que Kulagina imprimia em seus trabalhos. Shock Workers era um título utilizado na União Soviética para reconhecer com honras os trabalhadores por sua disciplina laboral, por meio de distintivos e certificados, além de prêmios em dinheiro. O cartaz, propaganda do governo soviético, tinha por objetivo criar uma boa imagem do movimento bolchevique para as camponesas, que inicialmente se opuseram à coletivização forçada da classe rural na URSS.
As obras construtivistas serviam de propaganda para os avanços industriais soviéticos e para o seu governo, utilizando de formas geométricas e disposições diagonais para representar dinamismos que comunicavam, imponência e modernidade. Entretanto, apesar do esforço de Valentina e de outras artistas soviéticas em ressaltar a imagem da mulher trabalhadora e livre, a “Nova Mulher”, essas conquistas foram progressivamente sendo substituídas durante o governo Stalin.
The Road to October, de 1929, é um cartaz bastante emblemático da artista, simbolizando a marcha pela Revolução A partir dessas grandes figuras vermelhas e armadas, a obra faz referência ao Domingo Sangrento, também conhecido como o massacre de São Petersburgo, e usa fotografias desse momento, incluindo uma imagem atrás das pernas dos homens vermelhos retratando a violência contra os protestantes. Foi um evento importante para o despontar da Revolução que depôs o czar Nicolau II, em 1917.
Apesar de ter sido uma artista reconhecida enquanto viva, participando de diversas exposições e realizando diversos trabalhos importantes, atualmente é muito difícil encontrar informações sobre Valentina Kulagina. As mulheres tiveram papel muito importante no construtivismo russo, então por que outros nomes masculinos são sempre mencionados em livros e artigos, enquanto essas figuras femininas são invisibilizadas?
O artigo “Dissidentes da história – a revolução e a questão da mulher artista soviética”, problematiza a relação negligente dos historiadores de arte com essas artistas, que, segundo ela, “não fizeram um esforço veloz […] no que toca ao engajamento crítico da produção artística feminina nos séculos XVIII e XIX e início do século XX na Rússia, tampouco se importaram em traçar a transição dessas mulheres artistas de figuras marginais para produtoras de renome mundial no campo das artes”. A autora levanta questionamentos sobre os mecanismos de poder e como eles interferem no reconhecimento das mulheres no campo da arte e do design.
Referências
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Conteúdo produzido por estudantes Giovanna Dias da Costa Ortiz @gi.dco,Luana Carolina da Silveira Brasil @tadai.ma, Sofia Carlesso dos Santos @sofycarlesso, Vinícius Monteiro S. de Almeida @itz.vico para a atividade "As mulheres na história do design" realizada na disciplina Teoria do Design 1 (Curso de Bacharelado em Design), no segundo semestre de 2022, sob orientação da profa. Lindsay Cresto