O cenário rock era formado na maioria por bandas compostas por homens, enquanto as mulheres eram valorizadas mais pelo apelo sexual do que pelo talento musical (MODA DE SUBCULTURAS, 2016). O rock, neste sentido, era levado à sério quando feito por homens. Nos shows de punk rock mulheres eram, por vezes, assediadas e agredidas durante as apresentações, evidenciando como espaços públicos eram (e ainda são) hostis para os setores femininos.
Nesta conjuntura, surgiu o movimento Riot Grrrl no início da década de 1990 em Olympia, capital de Washington, nos Estados Unidos, reunindo bandas de punk formadas por mulheres como Bikini Kill, X-Ray Spex, Bratmobile, Babes in Toyland, 7 Year Bitch, Excuse 17 e Heavens to Betsy. As músicas tratavam de temas como patriarcado, violência contra as mulheres, aborto e empoderamento feminino. Como cantava a banda X-Ray Spex “algumas pessoas pensam que as garotinhas só devem ser vistas e não ouvidas, oh submissão, vai tomar no c*”. Kathleen Hanna (Bikini Kill), inclusive, convidava as mulheres a ficarem em frente ao palco, chamando “all girls to the front” para que pudessem dançar e se divertir sem o risco de serem assediadas. O movimento riot grrrl – nome derivado de uma zine feminista que circulou a partir de 1991 – se fortaleceu e ganhou popularidade ao discutir temas como direito ao aborto, estupro, machismo e homofobia, em uma época na qual afirmar-se feminista ainda gerava certo desconforto. Pois, como indagava uma zine do período: “por que feminista é uma palavra suja?” (MARCUS, 2010).
Kathleen Hanna e Tobi Vail decidiram criar uma zine, a Jigsaw, para discutir a violência contra as mulheres impulsionadas pela tentativa de estupro de uma colega. A Jigsaw motivou a criação da Bikini Kill logo em seguida. As zines divulgavam shows, ideias e causas que a banda considerava importante e também serviam para veicular as letras das músicas, já que os equipamentos não eram de boa qualidade e durante as apresentações era difícil entender as canções.
As músicas da Bikini Kill defendiam a liberdade de comportamento, como Rebel girl: “When she walks, the revolution comes”; falavam sobre o prazer feminino, em “I like fucking”; e criticavam a violência e o estupro em “Feels blind”. As músicas da banda conferiam destaque aos temas da esfera privada, transferindo-os para a esfera pública, reforçando o protagonismo de mulheres como sujeitos (TREVISAN, 2019). Durante os shows, Hanna usava o corpo como suporte para mensagens ligadas às pautas feministas, ressignificando palavras como slut (vadia), lembrando a obra de Barbara Kruger, your body is a battle ground – criada para a marcha das mulheres de Washington em 1989, quando uma onda antiaborto ganhou força nos Estados Unidos (CALDWELL, 2016).
Zines colocavam heroínas de histórias em quadrinhos nas capas, defendendo o protagonismo feminino, representando ainda mulheres como soldadas e boxeadoras, aludindo a ideias de força e poder. As zines evidenciavam uma atitude muito presente no movimento punk: a prática do “faça você mesmo”, ou seja, produzir o próprio material com as condições tecnológicas disponíveis ao invés de consumir o que foi produzido para você (TRIGGS, 2006). As zines ligadas ao riot grrrl eram criadas, produzidas e disponibilizadas gratuitamente para o público. A linguagem gráfica das zines compreendia frases e textos feitos em máquinas de escrever, recortes de jornais e revistas, fotografias, colagens e sobreposições, resultando em uma estética caótica, amadora, muitas vezes ilegível, sem seguir regras caras ao design hegemônico, como legibilidade, clareza e objetividade. Fotomontagem, colagens, composições tipográficas foram adotadas em muitos movimentos da arte e do design, como o Construtivismo, o Dadaísmo, Futurismo, Design pop e pós-moderno. Segundo a comparação de Richard Hollis (2001), se o dadaísmo era antiarte, o punk era antidesign.
Referências
- CALDWELL, Ellen C. The history of “your body is a battleground”. JSTOR Daily. Art & art history. 15/07/2016. https://daily.jstor.org/the-history-your-body-is-a-battleground/> Acesso em: 25/01/2021.
- LIMA, Juliana Domingos de; ALEXANDRAKIS, Fredy. Como começar a ouvir bandas do movimento riot grrrl. Podcast. Nexo. 21/08/2020. Disponível em:< https://www.nexojornal.com.br/podcast/2020/08/21/Como-come%C3%A7ar-a-ouvir-bandas-do-movimento-riot-grrrl> Acesso em: 22/08/2020.
- MODA DE SUBCULTURAS. A história do movimento Riot Grrrl: punk e feminismo na década de 1990. 03/05/2016. Disponível em:http://www.modadesubculturas.com.br/2016/05/-historia-do-movimento-riot-grrrl-punk-feminismo.html#comment-form Acesso em: 20/01/2021.
- TREVISAN, Juliana. Bikini kill: feminismo, protestos e revolução em músicas punk. Delirium nerd. Música. 01/08/2019. Disponível em: https://deliriumnerd.com/2019/08/01/bikini-kill-feminismo-protestos-e-revolucao-em-musicas-punk/> Acesso em: 20/01/2021.
Texto: Lindsay Cresto e Maureen Schaefer França