Trabalho realizado na disciplina de História das Artes Gráficas, do curso de Tecnologia em Design Gráfico (UTFPR), pelas estudantes Emile Kipper, Eyshila Röper, Priscila Batistão e Vanessa Zem Messias sob orientação da profa. Maureen Schaefer França.
1. Cartola: breve biografia
Cartola (1908-1980), nascido Agenor de Oliveira no bairro do Catete na cidade do Rio de Janeiro, foi consagrado como um dos maiores sambistas brasileiros e um exímio cantor, compositor, poeta e violonista. Aos oito anos, sua família se mudou para o bairro das Laranjeiras – bem próximo ao Fluminense – onde morou com sua família e se tornou tricolor. Problemas financeiros levaram sua família a se mudar para o Morro da Mangueira quando ele tinha apenas 11 anos. Ali, ele cultivou amizade com Carlos Cachaça, também compositor, que o apresentou à vida boêmia e ao samba. Aos 15 anos, perdeu sua mãe, abandonou a escola e foi expulso de casa pelo pai. A partir desse momento, Agenor começou a trabalhar em várias funções, como aprendiz de tipógrafo e servente de pedreiro. Neste último trabalho, ele costumava usar um chapéu-coco para proteger a cabeça – o motivo do apelido “Cartola‘.
Fora da casa do pai, Cartola começou a cantar em bares do morro, além de começar a compor. Ele logo ganhou o carinho das pessoas em rodas de samba da comunidade. Em 1923, junto a alguns amigos sambistas do morro, Cartola criou o “Bloco dos Arengueiros“, bloco de carnaval carioca, que serviu como início para fundação da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, da qual participou em 1928. O samba “Chega de Demanda”, composto por ele, foi escolhido para o primeiro desfile da escola. Suas composições ganharam popularidade na década de 1930, sendo entoados por vozes como as de Carmen Miranda e Sílvio Caldas. No final dos anos 1940, Cartola se distancia da Escola por um desentendimento com o presidente da Mangueira e cessa sua carreira musical.
Durante a ditadura militar, artistas da velha-guarda do Samba passaram a ser mais valorizados, e entre eles, Cartola. É apenas em 1974, que o artista grava seu primeiro disco intitulado “Cartola” e em 1976, “Cartola II”, produzidos e distribuídos pela gravadora independente de Marcus Pereira, publicitário, editor de discos e fundador da Discos Marcus Pereira. Esses dois trabalhos foram muito bem sucedidos e aclamados pela crítica. Seu terceiro disco, “Verde Que Te Quero Rosa”, marca uma mudança em sua carreira, pois foi quando o artista estreou na gravadora RCA-Victor em 1977. Produzido por Sérgio Cabral, o álbum consagrou clássicos do compositor.
2. Capa de disco “Verde que te quero rosa”
A fotografia de Cartola, que estampa a capa, foi realizada pelo fotógrafo Ivan Klingen, e por muito pouco essa imagem, tão emblemática, não aconteceu. Klingen conta que por volta da metade do ano de 1977, um funcionário da gravadora ligou para ele, fora do horário de trabalho, o incumbindo de fotografar Cartola no dia seguinte, na Mangueira, logo cedo pela manhã. A urgência se dava pelo plano de utilizar a imagem no material de divulgação da gravadora já em agosto daquele ano. O fotógrafo relata que ficou preocupado, perdendo o sono, principalmente pela ausência de um briefing para o conceito da imagem.
Klingen ainda encontrou outras dificuldades no dia: não sabia por onde entrar no morro nem como localizar o artista e quando o encontrou, este estava de malas feitas aguardando uma carona para a rodoviária. Tudo isso contribuiu para um clima desconfortável. A esposa de Cartola, Dona Zica, notou essa atmosfera incômoda e decidiu servir um cafezinho, este veio em uma xícara verde de alça branca sobre um pires também branco. Ivan Klingen teve uma ideia que marcaria a carreira de ambos: perguntou para Dona Zica se ela não teria um pires cor de rosa – combinação cromática em menção à Mangueira. Há duas versões a respeito das cores da Mangueira. A primeira é que Cartola teria se inspirado na bandeira verde e rosa do “Rancho dos Arrepiados”, agremiação carnavalesca de Laranjeiras, na qual seu pai tocava. A segunda é que o sambista se valeu das cores do Fluminense, mas quando começaram a confeccionar as fantasias, a cor desbotava nas lavagens e gerava um rosa.
Depois de acertar as cores da Mangueira, Klingen andou pela casa e encontrou uma parede em tons amarelados, um elemento azul (a camisa que Dona Zica recolheu do varal na hora) e um elemento branco, o cigarro, cujas cinzas acumuladas não deveriam ser batidas. Esses últimos três elementos, faziam menção à bandeira brasileira.
Depois de revelar as imagens e se deparar com um retrato forte de um artista já icônico, Klingen pediu ao diretor de arte, Ney Távora, que mantivesse a capa com a menor quantidade possível de elementos e informações, deixando a imagem falar por si. A partir dessa solicitação, Távora acrescentou apenas o nome “Cartola” no canto e o título na contracapa.
O uso do cigarro por Cartola pode aludir à tentativa de se tranquilizar, uma vez que ele não gostava de ser fotografado. O anel com a lira remete provavelmente a sua paixão por música e um tom de elegância, luxo. O óculos escuro, um Aviator Classic da marca Ray Ban, evoca um ar misterioso e também moderno. Além disso, o óculos cobre sua pálpebra esquerda, que estava inchada devido a uma cirurgia plástica no nariz, refletindo o incômodo de estar sendo fotografado após ter sido operado. O anel e o óculos podem aludir ainda à ideia de que Cartola “cresceu na vida”, obteve retorno econômico por meio do sucesso da sua carreira.
Por fim, a tipografia serifada em bold na cor branca utilizada no nome “Cartola” foi empregada comumente nos anos 1970. A tipografia alude à ideia de algo simples, discreto e moderno. A inclinação apenas no primeiro “A” do nome, confere um diferencial à fonte, atribuindo certo despojamento ao seu desenho.
A capa de “Verde Que Te Quero Rosa” foi eleita a terceira capa de disco mais bonita do mundo pela revista Bizz. Em 2023, a loja “Três Selos” desenvolveu um novo projeto gráfico para uma remasterização do álbum em vinil. A capa original era em modelo de “capa simples” em que ela mesma serve de envelope para o disco. Já a versão de 2023 é em formato “gatefold”, ou capa dupla, em que a capa abre-se como um livro, conta com um poster em duotone verde e rosa, além de nova diagramação do encarte com as letras das canções.
REFERÊNCIAS
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