A branquidade em Vogue (Paris e Brasil)

0 Compartilhamentos
0
0
0
0
0

A branquidade em Vogue (Paris e Brasil): imagens da violência simbólica no século XXI 1

Autoria: Liziane Regina Gomes Sytnik 2

A tese A branquidade em Vogue (Paris e Brasil): imagens da violência simbólica no século XXI foi desenvolvida entre 2010 e 2014, incluindo um período de estágio sanduíche na França. Novelli3 investigou a produção discursiva da branquidade a partir do corpo feminino na revista Vogue, analisando edições de Vogue Paris e Vogue Brasil de 2001 a 2010.

Esta resenha foi produzida para a disciplina Design e Cultura, oferecida em parceria entre o Programa de Pós-graduação em Design (PPGDESIGN-UFPR) e o Programa de Pós-graduação em Tecnologia e Sociedade (PPGTE-UTFPR). Escolhi analisar a tese de Daniela Novelli por três razões: 1) a abordagem interseccional de raça, gênero e classe; 2) o embasamento teórico nos Estudos Culturais; e 3) a metodologia de análise de imagens usando revistas impressas como fonte. A leitura trouxe reflexões importantes para o desenvolvimento da minha própria pesquisa.

Após a introdução, Novelli detalha a revista Vogue como fonte e objeto de pesquisa, discute branquidade e os conceitos de violência simbólica e desejo colonial. No capítulo seguinte, trata sobre desejo sexual e erotismo na fotografia de moda e a produção de sentidos por meio de imagens. Faz ainda uma retrospectiva dos fotógrafos da Vogue desde 1914. No quarto capítulo, analisa imagens de Vogue Paris e Vogue Brasil, discutindo suas diferenças e aproximações, levando-a à conclusão do estudo.

A tese apresenta uma hipótese – o que é incomum em trabalhos similares: “a produção discursiva da branquidade em Vogue (Paris e Brasil) entrelaça distintas relações de dominação classista e sexual/de gênero nos contextos francês e brasileiro, mas tais diferenças fariam parte de uma mesma violência simbólica racial, a partir do corpo [branco] feminino” (NOVELLI, 2014, p.23)

A autora explica que “branquidade” refere-se à tradução de whiteness e blanchité, utilizando-o com base em Horia Kebabza, para quem “branquitude” é uma analogia à palavra négritude, e “poderia ser apenas uma afirmação daquilo que seria positivo em uma cultura “blanche”, o que é perfeitamente contraditório ao conceito desenvolvido aqui” (KEBABZA, 2006, p. 145) . No Brasil, o termo branquitude foi sugerido por Gilberto Freyre em 1962, no sentido de identidade racial branca e como analogia à palavra negritude. Essa diferenciação mostrou-se relevante, já que “branquitude” parece ser mais disseminado no Brasil.

O modelo teórico de Novelli baseia-se em Pierre Bourdieu, com três eixos principais: 1) o corpo [branco] no discurso de moda; 2) a violência simbólica que naturaliza o desejo colonial [branco e masculino]; e 3) a erotização e exotização do Outro e de si mesmo. Conceitos como violência simbólica, habitus, ethos/héxis, de Pierre Bourdieu, raça, de Stuart Hall, e discurso, de Michel Foucault, são fundamentais na tese.

A pesquisa é qualitativa e analisa edições de Vogue Brasil e Vogue Paris de 2001 a 2010. Foram selecionadas 20 edições de cada país, sendo duas de cada ano, com intervalo de pelo menos três meses entre uma e outra. Para análise das imagens, a metodologia utilizada é de Martine Joly.

Novelli conclui que a produção simbólica da branquidade em Vogue está associada, na França, à cultura estético-erótica da nobreza e ao culto da livre atitude da mulher; enquanto no Brasil, é moldada pelo “autoexotismo” da natureza e cultura popular e pela fé religiosa, construídas a partir do olhar europeu, traduzindo-se em uma forma incorporada de dominação. Assim, confirma sua hipótese de que “os discursos e narrativas produzidos por Carine Roitfeld (Vogue Paris) e Patricia Carta (Vogue Brasil) configuram páginas de uma mesma violência simbólica, oscilando entre erotização e exotização do Outro e de si mesmo.” (NOVELLI, 2014, p.203).

A tese é clara na descrição da abordagem teórica e metodologia. Indica objetivos e contribuições, destacando a compreensão da Vogue Brasil como uma forma de dominação simbólica estrangeira. No entanto, os três primeiros capítulos poderiam ser reduzidos: preparam o leitor para a compreensão da análise das imagens, porém trazem pontos que poderiam ser mais breves, como a análise sobre o complexo de varejo de luxo Daslu (da página 114 a 119).

O trabalho trata criticamente sobre a branquidade e suas representações, destacando a construção imagética dos corpos brancos. A autora utiliza uma abordagem interseccional, porém gênero é compreendido a partir da matriz heteronormativa. A tese é inovadora ao relacionar a construção das representações de branquidade nos contextos francês e brasileiro, analisando uma revista que é referência global no segmento, dando visibilidade à branquidade como lugar de privilégio. Quanto à metodologia, acrescenta à proposta de Martine Joly contribuições a partir de outros autores, tais como Jean Pirotte e John Berger, que possibilitam estudo aprofundado das imagens em seu contexto histórico.

Na escrita, a pesquisadora alterna entre envolvimento pessoal e distanciamento.  O texto é construído de forma a ir discutindo e revisitando conceitos, a fim de facilitar a compreensão da análise das imagens, no último capítulo. Citações diretas e indiretas, além de referências a pontos anteriores do texto, podem dificultar a fluidez da leitura. Além disso, por sua complexidade e léxico especializado, alguns trechos requerem busca por referências externas. É eficaz o uso de palavras entre colchetes, tais como em [branco]/[branca], que a autora utiliza para dar ênfase à invisibilidade da construção social e ocidental da branquidade no século XX como algo que se entende por “padrão”. Quanto às imagens, a baixa qualidade e o tamanho reduzido de algumas das fotografias reproduzidas no trabalho dificultam a apreensão de detalhes mencionados nas análises.

A obra é indicada para acadêmicos e profissionais interessados nos temas moda, estudos culturais, estudos de gênero e pós-coloniais, branquidade, análise de imagem e mídia.

Notas

1. NOVELLI, Daniela. A branquidade em Vogue (Paris e Brasil): imagens da violência simbólica no século XXI. Tese de Doutorado (Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas). Universidade Federal de Santa Catarina: Florianópolis, 2014. 345 f. Disponível em:<https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/123183>

2. Liziane Regina Gomes Sytnik é graduada em Comunicação Social, com habilitação em Publicidade e Propaganda (2005) e mestre em Design, na linha de pesquisa Design da Informação (2009) ambos pela Universidade Federal do Paraná. Doutoranda em Tecnologia e Sociedade no PPGTE- UTFPR na linha de Mediações e Culturas. É especialista em Gestão de Pessoas (Faculdade de Administração, Ciências, Educação e Letras – FACEL). Possui experiência nas áreas de publicidade e propaganda, criação, design e produção gráfica, comunicação interna, processos licitatórios, contratações e administração de contratos. 

3. Daniela Novelli é formada em Moda pela Universidade Estadual de Santa Catarina (UDESC), onde também se especializou em Moda: Criação e Produção, e obteve seu Mestrado em História. Concluiu seu Doutorado em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em 2014, com orientação das Professoras Cristina Scheibe Wolff e Susana Borneo Funck. Realizou estágio na École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS) e pós-doutorado na Université de Paris-Sorbonne. Atualmente, é pesquisadora do Instituto de Estudos de Gênero (IEG) da UFSC e professora na UDESC. É editora-chefe da revista Modapalavra e-periódico e coordenadora do programa de extensão Modateca.

Resenha desenvolvida na disciplina Design e Cultura, do PPGDesign/UFPR, ministrada por Ronaldo de Oliveira Corrêa e Lindsay Jemima Cresto em 2024.

Você também pode gostar