Design e Cultura Material

0 Compartilhamentos
0
0
0
0
0

Os objetos podem funcionar como veículos de resistência e empoderamento feminino, como sugere Anne Wales (1996) na análise do filme Procura-se Susan desesperadamente (Desperately seeking Susan, de Susan Seidelman, 1985). Wales argumenta que os objetos funcionam como marcadores de identidade de gênero, do desejo e das trocas entre as personagens do filme. Susan, vivida por Madonna, distingue-se na multidão e é identificada pela jaqueta, que ela afirma ter pertencido à Jimi Hendrix. Roberta, uma dona de casa entediada vivida por Rosanna Arquette, é fascinada pela história de Susan e passa a segui-la, encontrando sua jaqueta em um brechó e vendedor afirma ter pertencido a Elvis Presley.

Into the Groove foi uma das músicas imortalizadas no filme

A jaqueta traz estampada nas costas a imagem da nota de um dólar, uma grande pirâmide dourada envolta em linhas curvas como fitas que emolduram a pirâmide, com o texto em latim Novus ordo seclorum (“Nova Ordem Mundial”). A jaqueta foi leiloada por 252 mil dólares em 2014 e é parte fundamental da narrativa do filme. Mais do que isso, a peça de roupa constitui a identidade e personalidade da personagem Susan, como Daniel Miller argumenta sobre a importância da cultura material na constituição de sujeitos por meio dos artefatos.  


A peça original masculina é apropriada pelas personagens como expressão de uma feminilidade não-normativa, pois Susan e Roberta vivem grande parte do tempo nas ruas, percorrendo o espaço público, caracterizado como masculino. A jaqueta, deste modo, é o objeto que possibilita a apropriação de posições de sujeito consideradas masculinas. As feminilidades são constantemente transformadas no filme, não a partir da oposição masculino/feminino, mas operando entre esses dois polos, misturando (e tencionando) identidades masculinas e femininas. O design atua diretamente na vida das pessoas, pois os artefatos que produz estão “implicados na construção, circulação e consumo de sistemas de significados socialmente compartilhados. Nesse sentido, objetificam valores e interesses e sugerem determinadas posições de sujeito que somos convidadas/os a ocupar quando deles nos apropriamos”(SANTOS, 2015).

Referências

  •  KIRKHAM, Pat. The gendered object. UK: Manchester University Press, 1996.
  • MILLER, Daniel. Trecos, troços e coisas. Estudos antropológicos sobre a cultura material. Jorge Zahar Editores: Rio de Janeiro, 2013.
  • SANTOS, Marines Ribeiro dos. Questionamentos sobre a oposição marcada pelo gênero entre produção e consumo no design moderno brasileiro: Geórgia Hauner e a empresa de móveis Mobilinea (1962-1975). Caderno a tempo, EDUEMG, 2015.
Texto: Lindsay Cresto
Você também pode gostar