Mulheres na Tipografia: Beatrice Warde (EUA, 1900-1969)

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Beatrice Warde, nascida em 1900 em Nova York, foi uma escritora, professora, designer, historiadora da tipografia e crítica da indústria das artes gráficas, tendo passado parte de sua vida na Inglaterra. Beatrice recebeu educação domiciliar, se interessando por literatura assim como sua mãe, uma jornalista e crítica literária. Seu apreço por tipografia se iniciou com a caligrafia, tendo concluído seus estudos no Barnard College, em Columbia (HELLER, 2010; COBERTO, 2011).

Beatrice Warde possivelmente nos anos 1920.
Caligrafia de Beatrice no livro Written by hand de Aubrey West. Fonte: Coberto, 2011.

Seu primeiro trabalho – realizado entre 1921 e 1925 – foi como bibliotecária na American Type Founders Library, onde investigou tipografias e a história da imprensa. Durante este período, recebeu apoio e mentoria de Stanley Morison tipógrafo britânico responsável pela criação da tipografia “Times New Roman” em 1932. Em 1925, após se casar com Frederic Warde – eminente tipógrafo, impressor e designer de livros da Universidade de Princeton e de quem mais tarde se divorciaria -, ela se mudou para Londres, passando a trabalhar no jornal The Fleuron, o qual era editado por seu mentor Morison (BARNUM, 2016; GLASER, 2015 e 2019; COBERTO, 2011).

Devido a ampla presença de homens e o subsequente machismo do mercado gráfico, Beatrice recorria ao pseudônimo Paul Beaujon, sob o qual publicou artigos que a consagraram como uma importante estudiosa da tipografia. Sua primeira publicação intitulada “The Garamond Types: Sixteenth and Seventeenth Century Sources Considered”, veiculada em 1926, tratou da equivocada atribuição da fonte Garamond ao Claude Garamond e não ao seu pressuposto criador, Jean Jannon de Sedan. Em 1927, ainda em Londres, ela se tornou a editora da Monotype Recorder – plataforma de difusão dos trabalhos da fundição Monotype e de inovações no campo do design – graças a sua respectiva publicação. Ironicamente, os executivos da Monotype esperavam receber um homem quando ofereceram o posto de trabalho a “Paul Beaujon”. Mais tarde Beatrice foi promovida, trabalhando na Monotype até seus 60 anos, quando se aposentou (BARNUM, 2016; GARRIDO ÁLVAREZ, 2021; GLASER, 2019 e 2020; COBERTO, 2011).

Número 32 da publicação The Monotype Recorder, para qual Beatrice publicou artigos e desenhou cartazes (COBERTO, 2011).

Beatrice acreditava no poder da palavra impressa para defender a liberdade. Ela foi a pessoa quem escreveu e desenhou o famoso panfleto da Monotype “This is a printing office” em 1932, utilizando para isso a tipografia Perpetua, desenhada por Eric Gill (COBERTO, 2011).

Cartaz criado por Beatrice, utilizando a fonte Perpetua de Eric Gill.
Perfil de Beatrice gravado em madeira por Eric Gill, 1926. Publicado em: Engravings, Eric Gill (1929). Fonte: Coberto, 2011.

Sua contribuição mais notável ocorreu em Londres ainda no mesmo ano, durante um discurso para a Associação Britânica de Tipógrafos, intitulado “O cálice de cristal ou a impressão deve ser invisível”. Nele, Beatrice enfatizou que assim como a transparência da taça dá relevo para o conteúdo também deveria funcionar a tipografia, priorizando a “[transmissão] de pensamentos, ideias e imagens de uma mente para outra” (WARDE, 2010, p. 59). Para isso, a tipografia deveria ser simples, “racional” e “invisível”, ou seja, não apelar para o campo dos sentimentos e da “ostentação vulgar”, pois as mesmas se interporiam “à imagem mental a ser transmitida”, criando obstáculos na promoção de uma leitura fluida (WARDE, 2010, p. 60; p. 61).  “O cálice de cristal” foi transformado em livro, abrangendo diversos artigos. Nesta perspectiva, para Beatrice a letra gótica serviria melhor para ser olhada do que para olhar através dela, pois não cumpriria características de uma “boa” tipografia (COBERTO, 2011).

Beatrice ficou conhecida como “a primeira dama da tipografia” devido ao título do texto em menção ao seu obituário, publicado no jornal britânico The Times em 16 de setembro de 1969. Este “apelido” pode ser problemático, uma vez que a posição de primeira dama demanda uma figura masculina, sendo dependente desta. Além disso, a expressão também pode remeter a um tipo de feminilidade (“ser uma dama”) ligada a ideias de fragilidade e de conformidade, o que não parece ser muito coerente com a atuação de Beatrice. Ademais, a prática de “ser uma dama” também pode estar ligada a uma ideia de “civilidade” constituída a partir do olhar eurocêntrico, reiterando desigualdades étnico-raciais.

Depois de se aposentar, ela continuou a trabalhar e a compartilhar seus conhecimentos com estudantes que visavam se tornar impressores/as (COBERTO, 2011). Beatrice faleceu em 1969, se destacando em um campo de atuação majoritariamente ocupado por homens, deixando um legado no que tange ao estudo da tipografia para o design editorial e para a indústria das artes gráficas (GLASER, 2019).

Beatrice Warde.

REFERÊNCIAS

BARNUM, G. Beatrice Warde at the GPO. Disponível em: <https://printinghistory.org/beatrice-warde-gpo/>. Acesso em: 19 jul. 2021.

COBERTO, Alberto. Las letras olvidadas: tipógrafas del siglo XX. Barcelona, 2011.

GARRIDO ÁLVAREZ, M. La mujer en el diseño industrial y su relación con la tipografía. 2021.

GLASER, J. Warde (née Becker), Beatrice Lamberton Becker (1900 – 1969). Oxford University Press, p. 6, 2019.

GLASER, J. Artsfest Online: Jessica Glaser Reading – VE Day War Diary of Beatrice Warde. University of Wolverhampton (2020). Disponível em: <https://www.cphc.org.uk/beatrice-warde-film>. Acesso em: 09 ago. 23.

GLASER, J. “Typographer’s Dress is Lettered”. (2015). Disponível em: <https://www.cphc.org.uk/updates/2015/12/7/typographers-dress-is-lettered>. Acesso em: 6 ago. 2021.

HELLER, Steven. Beatrice Warde. In: BIERUT, M.; HELFAND, J.; HELLER, S.; POYNOR, R. Textos Clássicos do Design Gráfico. Martins Fontes: São Paulo, 2010.

WARDE, B. A taça de cristal ou a impressão deve ser invisível. In: BIERUT, M.; HELFAND, J.; HELLER, S.; POYNOR, R. Textos Clássicos do Design Gráfico. Martins Fontes: São Paulo, 2010.

Texto: Murilo Correa Pasquim + Maureen Schaefer França


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