Descolonizar é preciso

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Eventos acadêmicos, grupos de estudo/pesquisa concordam que é necessário desconstruir visões colonizadas sobre o campo profissional e suas práticas. Posicionar-se criticamente à perspectiva eurocêntrica na qual o design tem origem é só o começo. O design é uma atividade que tem sua origem no processo de produção capitalista com a revolução industrial, com a divisão do trabalho e separação entre planejamento e execução. Não é irônico que o primeiro movimento reformista da história do design seja o Arts and Crafts, que defendia uma valorização do artesanato e a volta das guildas e da arte medieval? Na história do design, o artesanato passou a ser tratado como exceção, como nostalgia, arte, arte decorativa. Fábricas, mobília, manuais de produtos, tipos simples, retos sem ornamentos, as primeiras lâmpadas e produtos elétricos: o design conferiu forma material às visões sobre a modernidade, o futuro, progresso, tecnologia. O design era uma força que iluminaria o mundo, representada por uma tocha (carregada por um homem branco, claro) em um cartaz da Deutscher Werkbund no início do século XX.

O design parece ter sido feito sob medida para os países europeus: a racionalidade alemã, o sensual Art Nouveau francês, os motivos celtas da Art Nouveau escocesa, o bom design italiano e o styling americano. E o design brasileiro, como fica? E o design latino-americano?
Para Aníbal Quijano, a colonialidade teve efeitos muito mais duradouros do que a colonização. A globalização é resultado de um processo de capitalismo moderno, eurocêntrico, que definiu um novo padrão de poder mundial. Nesse padrão de poder, o conceito de raça é fundamental, pois é uma construção que expressa o projeto de dominação colonial e eurocêntrica.

A raça foi construída como referência a supostas estruturas biológicas diferenciais entre grupos, tendo como resultado novas identidades sociais na América: índios, negros, mestiços. Essas identidades foram associadas às hierarquias, lugares e papéis sociais correspondentes, como constitutivas delas. Para Aníbal Quijano, a colonialidade do poder opera com uma divisão racial do trabalho, tendo a branquitude como sinônimo de evolução e superioridade na sociedade colonial. Raça e trabalho articularam-se como tecnologia de dominação/exploração, segundo Quijano. A partir dessa perspectiva, estabelecem-se dicotomias e hierarquias reforçadas pela modernidade, como: racionalidade/irracionalidade, primitivo/civilizado, tradicional/moderno. A modernidade reforçou essas hierarquias atualizando formas de dominação.

O que isso tem a ver com o design? Quando discutimos história do design no Brasil ou na América Latina, faltam fontes, registros, livros e sempre encontramos hipóteses que citam teorias da dependência como justificativa para não termos referência. Parece que o design é um projeto inacabado na América Latina. Rafael Cardoso publicou o livro “História do design antes do design” para tensionar o mito fundador que temos no Brasil, de que o design surgiu por aqui na criação da primeira escola de ensino superior (ESDI), que seguiu os princípios da Escola de ULM alemã. As comparações são estranhas: de um lado um país arrasado e dividido pela guerra precisava se reerguer e fomentar a produção industrial. Do outro, um país que precisa se modernizar e industrializar, gerar empregos e crescer. Encontramos explicações nas teorias (frustradas) da dependência, que justificam todo fracasso na industrialização brasileira que nunca se concretizou porque, adivinhem, nunca foi como os processos de industrialização das nações européias.

Para Maria Lugones (2008), a colonialidade do gênero coloca as dicotomias e binarismos em foco, convidando a refletir sobre os processos de visibilidade e valorização no design. As dicotomias, tais como: público e privado, produção e consumo, artesanal e industrial, moderno e tradicional, racional e irracional, decorativo e funcional estão em uso no design e nos fazem refletir sobre os efeitos duradouros da colonialidade em nosso campo profissional.

Descolonizar o design exige tempo e assumir que é preciso estudar mais, refletir e pensar em como mudar essas visões eurocêntricas que continuam sendo usadas em discussões sobre design, cultura e sociedade. Para Aníbal Quijano, o caminho para a descolonização é uma redistribuição radical de poder, com a devolução do controle sobre trabalho, sexo, autoridade, instituições, conhecimento e comunicação à vida cotidiana das pessoas.

Referências

FORTY, Adrian. Objetos de desejo: design e sociedade desde 1750. São Paulo: Cosac Naify, 2007.

GARCÍA-CANCLINI, Néstor. Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: EDUSP – Editora da Universidade de São Paulo, 2013.

LUGONES, María. Colonialidad y Género. Tabula Rasa. Bogotá – Colombia, n. 9:73-101, jul./dez., 2008.

QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas
latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, 2005, pp. 117–142.

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