BAYNHAM GORODEMA

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Histórias do Design na África

O texto aborda a trajetória pessoal e profissional de Baynham Gorodema, designer zimbabuano, a fim de entrar em contato com uma partícula da produção de design na África, por meio de estudo de caso, pesquisa bibliográfica e entrevista com o designer, compreendendo a complexidade cultural, política e social que atravessa o campo, sobretudo em contextos marginalizados tais como nos continentes Latino Americano, Asiático e Africano. Traz como resultado a reflexão sobre os impactos negativos da escrita historiográfica euro americanizada que desconsidera complexidades, produz falsas dicotomias e estabelece hierarquias. Apesar disso, profissionais como Baynham Gorodema seguem produzindo visual e culturalmente o que pode ser entendido como uma estética única, atravessada por uma unidade específica plural e potente, e ao mesmo tempo em absoluta interação com outras partes do mundo.

Baynham Gorodema é um artista e designer multidisciplinar com mais de 20 anos de experiência, interessado em design editorial, tipografia, identidade e gravura. Trabalhou com várias organizações corporativas e instituições sem fins lucrativos, gerenciando projetos, talentos e fornecedores, desde a conceituação de ideias até as produções finais em várias mídias.

Terceiro filho de Xavier – o primeiro pastor negro da Escola Bíblica de Mutare e Pegginah – enfermeira e, por algum tempo, a única mulher com habilitação na região de Manicaland. Baynham (nome Galês1 para Bigorna, que representa estabilidade e fortaleza) Tanaka (nome Shona2 que significa nós somos suficientes) Goredema (nome Shona para nuvem negra, que significa aquele que traz chuva) nasceu em 1978 na cidade de Mutare em Zimbawe, onde cresceu e viveu até o ensino médio, quando se muda para a capital de Zimbabwe, Harare, para fazer sua graduação.

Não posso dizer que o lugar onde nasci e cresci influenciou diretamente meu trabalho. No entanto, influenciou minha atitude e abordagem em relação à vida. Mas posso listar algumas referências de arte africana que desempenharam um papel importante e influenciam minha estética, como as esculturas Shona, Arte Ndebele3, a cultura material Shona, Grande Zimbábue, cestos africanos, sistemas de escrita da África Ocidental e pinturas rupestres. (GORODEMA, maio de 2023).

Atualmente Baynham mora em Johanesburgo na África do Sul, que faz divisa com seu país natal, mas seu trabalho segue muito conectado com Zimbabwe. É casado há 18 anos com Pauline que possui formação em pedagogia, com quem tem quatro filhos de 16,14, 7 e 5 anos. Vimbainashe (Confie no Senhor), Vongai (Graças a Deus), Vatifadza (Deus nos fez felizes), e Venekai (Deus ilumine sua luz sobre nós).

Baynham Goredema é formado em Design Gráfico pela Harare Polytechnic, Universidade Tecnológica Pública de Zimbabwe em 2001, com a dissertação Desenvolvimento do Design Gráfico em Zimbabwe 1980 – 2000. Baynham, que desde sempre venceu os concursos de artes na escola, escolhe estudar na Harare Polytechnice depois de uma visita do colégio à Faculdade. Mesmo não sabendo direito o que era design na época, sentiu que ali era seu lugar e que poderia ser feliz fazendo aquilo. Em 2020, se forma em Design Multimídia pela Greenside Design Center, Faculdade especializada em design na África do Sul. Baynham tem ainda especialização em Arte e Design (Harare Polytechnic – Zimbabwe, 1999) e Marketing digital (University of Cape Tow – África do Sul, 2021).

Baynham Goredema lecionou no Zimbabwe Institute of Vigital Arts, entre 2005 e 2006, atuando em áreas tais como Introdução ao sistema Macintosh e o pacote de softwares Adobe, Identidade corporativa, Gerenciamento de marca e Princípios de design. Foi palestrante na Harare Polytechnic e Vega School, promovendo conferências em seus assuntos de interesse, mencionados acima, e também sobre Tipografia contemporânea. Em 2017 iniciou sua primeira exposição solo de linogravuras intitulada Creativismo – A política da arte, exibida em Zimbabwe e África do sul.

Entre seus trabalhos de maior relevância, que serão tratados com atenção especial à frente, está POVOAfrika (pessoas com opiniões válidas), uma organização sem fins lucrativos que tem como missão a promoção da arte, cultura e o desenvolvimento sustentável para o desenvolvimento social da África com foco para a história de Zimbabwe. Fundada em 2014 por Baynham, que desenvolve trabalhos gráficos para diversos suportes, como a própria identidade da organização, projetos gráficos de livros, revistas e álbuns de música; Também escreve artigos, compõe e produz músicas. Ele destaca POVOAfrika como um dos projetos do qual mais se orgulha, por não se tratar apenas dele, mas por abrir portas para outros.

Apesar de assinar diversos projetos que vão de linogravura ao desenvolvimento de um aplicativo – Khuluma (2022), voltado à saúde mental que incentiva homens a falarem sobre seus sentimentos, a tipografia, sem dúvida, se destaca em seu portfólio. As fontes Nehanda Typeface baseada na história, em parte lendária, em parte histórica, de Nehanda conhecida por ter poderes e ser fundadora da dinastia Mutapa; Itai Typeface, desenvolvida em homenagem ao jornalista desaparecido pelo regime repressivo de Zimbabwe, Itai Dzamara; E Haus Ethnik Dingbats Typeface, inspirada em estampas tradicionais da cultura material de Zimbabwe, dão indícios de um profissional atento ao coletivo e ao papel político, social e cultural do design e da arte, transpondo suas ideias nas mais variadas expressões artísticas de visualidade.

Baynham afirma que a arte é um meio potente de expressão e de ativismo, e mesmo com uma vasta produção, afirma querer ser lembrado por ser um bom pai para seus filhos. Seu trabalho fornece uma poderosa amostra de como o design em lugares pouco estudados pela historiografia do design pode produzir estéticas únicas que, ao mesmo tempo, dialogam com estéticas de todo o mundo. Ao incorporar as contribuições culturais de países como Zimbábue em peças gráficas do cotidiano, Baynham destaca a riqueza e a diversidade das expressões estéticas presentes nessa cultura específica, e dá pistas da potência da pluralidade do continente Africano.

A África é muito diversa, através de uma lente ocidental os artefatos de design são agrupados em uma caixa e rotulados como “africanos”. Portanto, geralmente evito termos como design ‘africano’. Dito isto, acredito que certas sensibilidades de design podem ser atribuídas a diferentes regiões do mundo. Sim, existe um design africano. Embora às vezes eu recue e discorde do que é considerado ‘design africano’. Fomos educados em uma estética de design eurocêntrica, então, mesmo quando olhamos para a estética  ‘africana’,  olhamos  por  meio  de  uma  lente  ocidental  e,  às  vezes, inconscientemente, a comparamos com a estética ocidental como o ‘padrão’. (GORODEMA, maio de 2022)

Bhagat (2018), destaca a urgente necessidade de uma abordagem mais inclusiva quando se fala em história do design, que reflita as múltiplas perspectivas e experiências presentes em todas as culturas, porque a história do design tem sido entrelaçada com a historiografia euro-americana e etnocêntrica, resultando em uma visão limitada e homogeneizada do campo. É justamente por isso que o trabalho de designers como Baynham, preocupados com o resgate das suas culturas locais, são essenciais.

Um dos principais problemas enfrentados pela historiografia do design é a forma problemática pela qual a África tem sido representada. Títulos que empregam palavras como “Escuridão”, “Safari” ou “Tribal” perpetuam o estereótipo do exótico sobre o continente africano. A crítica eloquente de Wainaina (2005) expõe a maneira como essa tendência alimenta a percepção equivocada de uma África única e homogênea, dificultando o acesso à diversidade de suas culturas e contribuições para o design. Por isso, é fundamental reconhecer e desafiar esses estereótipos, promovendo diálogos com profissionais também preocupados com essas questões na África.

O primeiro trabalho tipográfico de Baynham foi uma coleção de caracteres/gravuras inspirados em modificações de padrões étnicos derivados da cultura material do Zimbábue. Mas as experimentações tipográficas de Baynham transitam por muitos métodos e estilos, como podemos perceber com a Itai Typeface, uma das últimas desenvolvidas pelo designer, marcada por um refinamento nos desenhos, versões e ligaduras. A fonte, desenvolvida em homenagem ao jornalista Itai Dzamara, crítico ferrenho do regime repressivo de Mugabe no Zimbábue, iniciando uma série de protestos que tomaram o país em 2016 e 2017, sendo por isso, espancado, estando até hoje desaparecido, tem variações nomeadas por protests, abducted e disappears. Seu desenho vai de fonte regular, para uma estética craquelada e por fim o contorno dos caracteres, demonstrando o forte apelo político no trabalho de Baynham.

Figura 2: Tipografia ITAI

Itai é uma fonte com três versões que expressam os três estágios de existência de Itai Dzamara, que protestou, foi sequestrado por agentes do estado do Zimbábue e permanece desaparecido. É um tipo versátil adequado para títulos em negrito, pôsteres, capas de livros e muito mais. (GOREDAMA, Julho de 2022).

Já sobre POVOAfrika, a ONG idealizada e gerida por Baynham, que juntamente com outros artistas visuais dá a “cara” do projeto, destacamos o redesign do pássaro símbolo do Zimbábue para uma logo. Baynham construiu o desenho a partir dos símbolos de seu país, estampados na moeda local, o Zimbabwe Bird, e a lendária torre icônica do Monumento do Grande Zimbabwe, um complexo de amuralhados de pedra que acredita-se ter sido a capital da civilização antiga do Zimbabwe, construído pelo povo Shona, que tem até hoje grande influência na cultura material do Zimbábue. Na justificativa do projeto, o designer deixa evidente a necessidade latente de se resgatar símbolos de uma identidade nacional com os quais as pessoas
se identifiquem e se orgulhem.

De modo geral, a identidade visual do nosso país foi negligenciada e deixada para trás. Temos pessoas imensamente talentosas em design e artes visuais que podem se unir e definir uma identidade nacional com a qual as pessoas possam se relacionar e se orgulhar. Mas as artes visuais foram amplamente ignoradas e ainda assim desempenham um papel enorme em incutir orgulho e patriotismo nas pessoas. (GOREDAMA, Março de 2021)

Segundo Fallan (2010) entender o design como um fenômeno multidimensional é crucial para reconhecer as contribuições africanas e integrá-las plenamente na história do design. O design não é apenas um conjunto de objetos estéticos, mas sim um processo complexo enraizado em tensões, histórias e interações culturais. Assim, é essencial reconhecer que o design não é um fenômeno limitado a algumas regiões específicas do mundo. Ao ampliar nossa compreensão da história do design, incluindo lugares menos estudados, como o que Baynham faz parte, podemos descobrir novas perspectivas e narrativas estéticas que enriquecem os discursos sobre design e sobre o design na África, reconhecendo defasagens e potencialidades. Essas estéticas não apenas podem contribuir para um panorama mais complexo do design, mas também podem servir de base para a desconstrução das falsas dicotomias e da ideia do design euro-americano como o “padrão”, deslocando a história do design na África enquanto uma metanarrativa.

Apenas reconhecendo a relevância e a influência global do design produzido em lugares pouco explorados pela historiografia, como os países africanos, podemos desafiar a hegemonia euro americana no design. Com isso, o trabalho de Baynham contribui diretamente para uma concepção do design Africano em que questões políticas e culturais se destacam de maneira positiva e não pelas lentes de escassez e violência; E nos lembra que, ao abraçar as contribuições de todos os cantos do mundo olhando justamente para nossa cultura local, podemos enriquecer nossa compreensão do design como um fenômeno plural e potente.

Notas de rodapé

1 Nome relativo à região do País de Gales, Grã-Bretanha

2 Nome referente aos povos de língua bantu que vivem principalmente no Zimbábue, Beach (1980)

3 Os Ndebele da África do Sul constituem um grupo de pessoas cuja identidade sobreviveu a crises existenciais diante das dinâmicas de poder em constante mudança de fatores internos e externos desde os tempos pré-coloniais até os dias atuais. As pinturas murais se tornaram uma expressão de sua resistência cultural e continuidade, Ndlovu (2023)

Referências

BEACH, David N. The Shona & Zimbabwe 900-1850: an outline of Shona history. Heinemann, 1980.

BHAGAT, Dipti. Designs on/in Africa. In: FALLAN, Kjetil; LEES-MAFFEI, Grace (eds.). Designing Worlds: National Design Histories in an Age of Globalization. New York: Berghahn, 2018.

FALLAN, Kjetil. Design History: Understanding Theory and Method. Oxford: Berg, 2010.

GOREDEMA, Baynham. About me. Disponível em: https://baynhamgoredema.com/about-baynham-goredema/. Acesso em: 17 de maio de 2023.

GOREDEMA, Baynham. Currículo de Baynham Gorodema. Disponível em: https://www.linkedin.com/in/baynhamgoredema/. Acesso em: 17 de maio de 2023.

GOREDEMA, Baynham. Portfólio de Baynham Gorodema. Disponível em: https://www.behance.net/bayhaus. Acesso em: 17 de maio de 2023.

GORODEMA, Baynham. Entrevista por meio eletrônico. Maio de 2023.

NDLOVU, Sifiso. Culture and Expression of Identity: The Ndebele of South Africa. South African Tourism. Disponível em: https://www.southafrica.net/ao/en/travel/article/culture-and-expression-of-identity-the-ndebele-of-south-africa. Acesso em: 24 maio 2023.

WAINAINA, Binyavanga. How to Write about Africa. Granta Magazine, [S.l.], n. 92, Jan. 2005. Disponível em: https://granta.com/how-to-write-about-africa/. Acesso em: 01 jun. 2023.

Trabalho desenvolvido por Lariane Casagrande (larianecasagrande@gmail.com), Fuad Pumarejo (fuadpumarejo@ufpr.br) e Lucas Toepper (lucastopper2@gmail.com), apresentado na disciplina História Social do Design Internacional: os modernismos e os contemporâneos, do Programa de Pós-graduação em Design da UFPR, sob a orientação das docentes Cláudia R. Hasegawa Zacar e Lindsay Jemima Cresto
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