Trabalho realizado na disciplina de História das Artes Gráficas, do curso de Tecnologia em Design Gráfico (UTFPR), pelos estudantes Giovanna Damasio, Juliana K. Yamada, Luiz M. Neto sob orientação da profa. Maureen Schaefer França.
1. Mc Carol, uma breve biografia
Carolina de Oliveira Lourenço é uma cantora, compositora e ativista nascida em Niterói (RJ) em 1993, tendo sido criada no Morro do Preventório. Ela iniciou sua carreira musical aos 15 anos de idade, filiando-se ao funk. Sua discografia é composta pelos álbuns: Bandida (2016) e Borogodó (2021). MC Carol costuma enfrentar preconceitos e dificuldades por ser uma mulher negra, gorda e periférica e traz sua experiência de vida para as letras, nas quais aborda a realidade das comunidades, a gordofobia, a sexualidade, o feminismo e o machismo.
2. Designer da capa: Douglas de Fátima
A arte foi produzida pelo designer e publicitário Douglas de Fátima, 32 anos, nascido no Rio de Janeiro. Ele trabalha para a gravadora Ubuntu Produções, que é a responsável pelo lançamento e gerenciamento da artista Mc Carol.
3. Capa de disco “Borogodó” (2021)
A cantora Mc Carol relata que a capa do álbum foi uma união de ideias, que surgiram, sobretudo, com a música “Levanta Mina”.
O álbum é uma pintura digital que faz alusão ao quadro “O Nascimento de Vênus“, de Botticelli, unido a elementos da cultura popular das periferias do Rio de Janeiro. Nele, há uma predominância de cores neutras, utilizadas no cenário de favela ao fundo e na pele dos personagens, representando-os como pessoas negras. Também há a presença do rosa no tecido que veste a cantora (talvez como uma tentativa de trazer o sentimento de amor, beleza e sexualidade associados à Vênus), e o verde, amarelo e azul (possivelmente fazendo referência às cores da bandeira do Brasil) utilizados nas roupas e acessórios dos demais personagens. O azul também é utilizado no céu e o verde, nas folhas das árvores.
No centro da capa, MC Carol é retratada em uma pose semelhante à de Vênus de Botticelli. Ela está sorridente e sem roupas, parte do seu corpo está coberto por um tecido esvoaçante rosa, que é segurado pela mão repousada em seu quadril. Sua outra mão está na altura do peito, mostrando o dedo médio e exibindo unhas vermelhas. A cantora também está maquiada com batom e sombra azul-esverdeada e seu cabelo é composto por tranças finas conhecidas como box-braids, preso em um longo rabo de cavalo. Além disso, ela está dentro de uma bacia de metal que faz referência à concha presente na obra de Botticelli e pode ser uma associação tanto ao banho como a serviços domésticos, historicamente associados aos setores femininos.
À esquerda, há um personagem em uma pose angelical estendendo o braço em direção a MC Carol . Ele possui músculos definidos, pele retinta e utiliza apenas um tecido azul para cobrir parte do corpo. Além disso, ele faz uso de uma corrente dourada com um pingente de cifrão e uma pulseira do mesmo estilo. Seu cabelo é descolorido (loiro) e tem um corte chamado “disfarçado” ou “na régua”, com um degradê no comprimento e um desenho de raio. Ele também usa óculos de sol do estilo “Juliet“. Todos esses símbolos remetem ao estilo popular e ao funk ostentação, originado nas favelas.
No canto inferior esquerdo, um outro personagem agacha-se em posição de servidão oferecendo uma caixa de leite achocolatado à MC Carol através de uma bandeja. Ele tem pele morena, tatuagens e o mesmo corte de cabelo “disfarçado”. Usa um brinco dourado com um pingente de cruz e também está coberto por um tecido esvoaçante na parte superior do corpo. Suas vestimentas incluem um shorts azul, uma meia com estampa de maconha acima da canela e um tênis vermelho do modelo Nike Shox. Esses itens são populares e associados ao estilo das periferias e ao funk ostentação, evidenciando a cultura e a moda diversa contida ali. Talvez a caixa de leite achocolatado faça menção à cantora de funk Jojo Todynho.
Na direita, é possível ver um personagem mais gordo, com um cabelo mais longo e sem camisa, podendo ser uma forma de representar a diversidade de corpos na favela, já que a cantora sempre evidencia questões de padrões corporais e estéticos. Esses personagens podem estar representando a diversidade do funk e das comunidades periféricas. Mas os três rapazes também podem estar fazendo alusão à música “Mulher do Borogodó“, na qual a artista canta:
“Eu quero três amigos
De uma vez só
Prazer Carol bandida
A mulher do borogodó”
Ou seja, a presença dos três homens possivelmente estão articulados à sexualidade liberada da Mc Carol, que tensiona modelos conservadores/tradicionais de feminilidades.
No fundo, há um arco de colunas greco-romanas que sustenta caixas de som. As colunas são elementos associados à antiguidade e à erudição, enquanto as caixas de som representam a cultura musical presente nas periferias. Isso remete à fusão de referências históricas e culturais presentes nas letras das músicas de MC Carol e destaca a riqueza artística e a criatividade presentes nas comunidades.
O cenário de favela ao fundo serve como pano de fundo para a narrativa, ele evoca a realidade das comunidades periféricas e a resiliência de seus moradores através da representação de casas pequenas e simples feitas de madeira e alvenaria, sem acabamento externo e em um terreno com estradas de terra irregulares. Apesar de serem elementos estereotipados frequentemente associados às favelas, esse cenário é característico das periferias de grandes metrópoles, presentes em diversas regiões do país.
A Capa também apresenta elementos verbais significativos. A placa de fundo, com a inscrição “funk é arte“, reforça o funk como uma expressão artística legítima da periferia. A alusão à obra “Nascimento de Vênus” também reitera a associação do funk com a arte. O céu é usado como plano de fundo, facilitando a leitura do texto da capa, que é colocado em faixas claras. O título do álbum e o nome da cantora são apresentados em uma fonte semelhante àquelas usadas em cartazes circenses antigos, remetendo a um estilo que remonta às décadas de 1950 e 1960. Esses elementos visuais combinados evocam referências culturais, históricas e artísticas.
A capa sintetiza elementos visuais e simbólicos que refletem a identidade artística da cantora, sua conexão com o funk e a cultura das favelas cariocas. No geral, algumas referências contidas na capa do álbum são bem conhecidas e populares, no entanto, há algumas referências contidas na capa com certa ambiguidade, o que trouxe alguma dificuldade em ponderar sobre as possibilidades, ainda mais, por ser um álbum recente.
4. Considerações
Possivelmente, a falta de reconhecimento do funk como gênero musical legítimo por algumas camadas da população está articulada não apenas a uma visão conservadora de mundo, mas também a uma perspectiva que desconsidera que pessoas negras e das camadas não privilegiadas são pessoas criativas, inteligentes e capazes de fazer arte sim.
Referências
AGUIAR, Estela. MC Carol: “Me achava bonita, mas não era isso que ouvia na rua”. [S. l.], 3 fev. 2022. Disponível em: https://minabemestar.uol.com.br/mc-carol-me-achava-bonita-mas-nao-era-isso-que-ouvia-na-r ua/. Acesso em: 20 abr. 2023.
ALBUQUERQUE, G. G. MC Carol – Borogodó. [S. l.], 9 ago. 2021. Disponível em: https://monkeybuzz.com.br/resenhas/albuns/mc-carol-borogodo/. Acesso em: 12 abr. 2023.
ALOI, André. NÃO TEM LUGAR MAIS CRIATIVO DO QUE A FAVELA”, DIZ MC CAROL AO LANÇAR O ÁLBUM “BOROGODÓ. [S. l.], 24 jul. 2021. Disponível em:
https://siterg.uol.com.br/rg-entrevista/2021/07/24/nao-tem-lugar-mais-criativo-do-que-a-fav ela-diz-mc-carol-ao-lancar-o-album-borogodo/. Acesso em: 12 abr. 2023.
(MN), Redação. MC Carol lança clipe de ‘Mulher do Borogodó’, single de seu novo álbum. [S. l.], 22 jul. 2021. Disponível em: https://mundonegro.inf.br/mc-carol-lanca-clipe-de-mulher-do-borogodo-single-de-seu-novo-al bum/. Acesso em: 12 abr. 2023.
UBUNTU PRODUÇÕES. MC Carol. [S. l.], 2020. Disponível em: https://www.ubuntuproducoes.com/mc-carol. Acesso em: 20 abr. 2023.
