A África já fazia design há tempos, simplesmente não era chamado assim. Como afirmou o artista beninese Romuald Hazoumè “o design existe em muitas formas, sendo interpretado e valorizado de forma diferente por muitas culturas”. Reverenciadas em reinos antigos, onde mestres do artesanato recebiam status especial, as artes visuais eram parte integrante das sociedades africanas, abarcando, por exemplo, têxteis, cerâmicas e esculturas. No pré-colonialismo, mestres do artesanato deviam criar artefatos funcionais e esteticamente harmoniosos. Os artefatos tinham significados específicos, sendo produzidos para atender necessidades pessoais, domésticas e/ou cerimoniais, em oposição à geração de renda – como observado pela historiadora da arte libanesa Susan Vogel. O valor comercial das artes visuais na África possivelmente se iniciou com o florescimento do comércio internacional, quando produtos passaram a ser adaptados especificamente para mercados externos. O comércio, e mais tarde o colonialismo, teve um efeito profundo na forma como as artes visuais da África passou a ser vista, em um primeiro momento, a partir do contato com comerciantes portugueses no final do século 15, depois com árabes nos séculos 18 e 19 e europeus em meados do século 19 (MATSINDE, 2015).
Por mais que possa parecer que a antiga arte visual da África tenha sido bem documentada e sujeita a muitas pesquisas, esse não é o caso, uma vez que foi realizada a partir de uma perspectiva eurocêntrica, incorporando, por vezes, uma abordagem evolucionista e limitada aos gostos pessoais, produzindo uma narrativa desrespeitosa e desacertada no que tange às culturas africanas. Embora o surgimento de uma “indústria de design” possa ser recente, aspectos do design no continente africano não devem ser vistos como algo novo. O que era criado deveria ser bem pensado e refinado até se adequar ao propósito pretendido. O crescente interesse e coleção de arte visual da África coincidiu com grandes mudanças na Europa, onde industriais passaram a advogar a favor de artigos feitos à máquina em vez daqueles feitos à mão. Este fenômeno, como observaram o arqueólogo britânico John Picton e a historiadora da arte estadunidense Janet B. Hess, ditaria, por sua vez, a classificação de máscaras e esculturas como “belas artes” e de cerâmicas e têxteis como artesanato, um gênero que passará, cada vez mais, a ser considerado inferior ao chamado “design” (como já discutido aqui no perfil – ver o post “repensando o conceito de design” – entender o design como restrito aos objetos industrializados pode ser um modo de reiterar desigualdades sociais) (MATSINDE, 2015).
Em contrapartida, a perspectiva africana tem uma estima muito elevada com relação ao chamado artesanato, questionando o olhar eurocêntrico sobre sua produção e atribuindo à arte visual da África um significado muito maior com relação aos parâmetros da arte e design globais. Ademais, a documentação colonial, não raras vezes, atribuiu trabalhos a um povo ou região e não a um indivíduo, homogeneizando ainda mais aquilo que era diverso. Entretanto, a documentação pós-colonial começou a distinguir designers, artistas e artesãos individualmente, resultando em maior reconhecimento e status social (MATSINDE, 2015).
Como designers, produtores de cultura material e profissionais com responsabilidade social precisamos ler/ouvir/conhecer outras narrativas sobre o design na África, sobretudo, aquelas tecidas pelos próprios designers africanos, há tempos apagados dos livros de História do Design. Para isso, indico o perfil @africandesignmatters do @simoncharwey que encontrei durante algumas pesquisas a partir da hashtag “africandesign”, justamente pelo sentimento de insatisfação com relação ao pouco conhecimento acerca do design africano. O livro “Contemporary Design Africa”, da designer Tapiwa Matsinde, nos apresenta uma seleção de designs (cestarias, cerâmicas, mobiliários, luminárias e têxteis) de alta-qualidade, complexidade e diversidade, tensionando visões estereotipadas sobre a cultura material africana. Alguns desses designs podem ser conferidos no @atelier55design.
Referências
MATSINDE, Tapiwa. Contemporary Design Africa. London: Thames & Hudson, 2015.
Texto: Maureen Schaefer França