Radical Design

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Os produtos desenvolvidos na Escola de ULM ficaram conhecidos pela clareza visual, com o mínimo de elementos decorativos ou que interferissem na identificação de seu uso e de sua função. Produtos elétricos e eletrônicos deveriam ter os componentes mecânicos escondidos no interior de “invólucros plásticos de contornos suaves e de cor preta, cinzenta ou branca”, geralmente com formas geométricas (DORMER, 1995, p. 17). Alguns produtos da Braun receberam o apelido pejorativo de design da “caixa branca” e “caixa preta”, devido à simplicidade compositiva adotada por Rams. (CARDOSO, 2004). Um exemplo da visão de design ligada à ULM e ao racionalismo é o Braun SK 4 Radio-Phono combination, criado por Hans Gugelot e Dieter Rams em 1956, que ganhou o apelido de “caixão da branca de neve”.

Braun SK 4 Radio-Phono combination, de Dieter Rams e Hans Gugelot, 1956.
Detalhe do Braun SK 4 Radio-Phono combination.

O design pop e o design pós-moderno desafiaram noções tradicionais modernistas de racionalidade e função prática dos produtos, imprimindo irreverência, críticas e novas posturas nos projetos desta época. A subjetividade foi (e ainda é) um aspecto pouco discutido em relação aos produtos de design. Donald Norman (2004) lembra que a emoção, até bem pouco tempo atrás, era uma parte ainda inexplorada da psicologia humana; vista por algumas pessoas como vestígios de uma origem animal primitiva, pouco discutida quando o assunto é um produto. Norman ainda destaca estudos e pesquisas que comprovaram que produtos planejados sob uma estética atraente são mais reconhecidos e mais facilmente usados. O aspecto subjetivo relaciona-se com algumas propostas do design pós-moderno, nas décadas de 1970 e 1980, que argumentavam sobre a questão simbólica nos produtos, baseados nos conceitos da Semiótica.

Os designers na Itália já haviam se distanciado das restrições do modernismo e “assumiam o espírito lúdico da época e começaram a brincar com os novos temas” (TAMBINI, 1997, p. 23), como nas propostas do mobiliário pop de Joe Colombo (1930-1971). A proposta modernista estava sendo substituída por outros preceitos do design, que expressassem as contradições e discussões da sociedade, na qual o modelo moderno de design já não contemplava as aspirações das pessoas.

Tube chair, design de Joe Colombo de 1969. Cilindros revestidos de espuma que permitem diversas configurações como móvel de assento e descanso.
Proposta de moradia de Joe Colombo para a exposição Visiona 1, promovida pela Bayer em 1969. Influência da era espacial e visões de futuro a partir de usos de espaços flexíveis e com inserção de tecnologias da época.

As críticas do antidesign fortaleceram-se e resultaram na criação do grupo Memphis, em 1981. A primeira exposição foi realizada em Milão em 1981 e contava com 31 peças de mobiliário, 3 relógios, 10 luminárias, 11 objetos de cerâmica e recebeu cerca de 2500 visitantes (BÜRDEK, 2006). Contava com projetos de designers e arquitetos que, além do grupo inicial, incluía ainda Nathalie du Pasquier, George Sowden, Hans Hollein, Shiro Kuramata, Peter Shire, Javier Mariscal, Massaroni Umeda e Michael Graves. Os produtos expostos despertaram curiosidade e logo se tornaram sensação pelo aspecto bem-humorado e as referências das quais Memphis se apropriava. Os designers utilizaram as cores primárias misturadas aos padrões que lembravam a op art, numa rejeição aos padrões do racionalismo e do funcionalismo do Estilo Internacional. O mobiliário combinava cores, formas e padrões improváveis de serem aplicados ao mesmo tempo, o que resultou numa série irônica e divertida. Os integrantes do Memphis procuravam “um design que se apropriasse de estímulos de diversos contextos culturais, os valorizasse esteticamente e os transformasse em objetos. Uma nova sensualidade era procurada e que com sua popularidade pudesse estar presente em todos os continentes” (BÜRDEK, 2006, p. 139).

Integrantes do grupo Memphis na cama ringue de Masanori Umeda, 1981.
O estilo Memphis: cores secundárias, aspecto lúdico e irônico, formas variadas.

Memphis teve um importante papel na criação de uma nova linguagem no design, que não estava mais presa aos cânones do modernismo, contribuindo para o que BÜRDEK (2006, p. 139) chama de “superação da idade da heresia no design”. O design não estava mais vinculado a apenas um modelo, nem era definido por critérios da boa forma ou bom design, mas estava aberto para novas linguagens plurais e internacionais. Assim, o Memphis e os grupos de antidesign “relançaram a própria ideia de design, propondo uma qualidade de gesto muito mais pessoal, uma celebração do espírito e da imaginação humana” a partir do revivalismo dos ofícios do artesanato (GARNER, 2008, p. 153).

Coleção de Nathalie Du Pasquier em colaboração com American Apparel, 2014.

Surgia um movimento radicalmente crítico em relação ao design e suas práticas, concebidos sob a ótica racional-funcionalista: o chamado radical design ou antidesign, que, por meio das questões propostas pelos diversos grupos formados, transformou-se em precursor do que viria a ser conhecido como o design pós-moderno. As propostas do design radical e do antidesign eram semelhantes, pois de uma maneira geral eram críticas em relação aos princípios modernistas e atacavam a noção de bom gosto, a boa forma alemã e o bom design, a validade do racionalismo no design e o papel da tecnologia avançada como elementos para se pensar o consumo na sociedade. (FIELL, 2006).

Sofá Safari, Archizoom, Paolo Deganello, 1966.
Sofá Safari em outras configurações
Configurações possíveis do sofá Safari, Paolo Deganello, 1966.

O Archizoom Associati foi criado por Andréa Branzi, Paolo Deganello, Gillberto Corretti e Massimo Morozzi em 1966 em Florença. A inspiração do nome veio de um grupo de arquitetos ingleses, Archigram, e de uma publicação chamada Zoom (FIELL, 2005). Seus integrantes elaboraram projeções utópicas na arquitetura, como No-Stop City (1970), com a finalidade de mostrar como os princípios do racionalismo, se levados ao extremo, tornar-se-iam antirracionais. Os integrantes do Archizoom desenvolveram peças de mobiliário antidesign, que influenciaram outros grupos pelo teor das propostas. Criticavam e ironizavam o bom design realizando releituras de clássicos, como os móveis da Bauhaus. O sofá Safari é descrito pro Andréa Branzi, seu criador, como “uma bela peça que você simplesmente não merece”.(TAMBINI, 1997). A cadeira Mies é uma releitura bem-humorada dos móveis criados pelo arquiteto Mies van der Rohe, que dirigiu a Bauhaus em seus últimos anos. Não possui a harmonia das curvas e formas como a cadeira Barcelona; ao invés disso, reproduz formas geométricas “duras” questionando noções como harmonia, conforto, racionalidade e as expectativas quanto ao móvel de assento, propondo uma crítica ao bom design e as concepções de design ligadas à Bauhaus.

Divano Superonda, 1966. Archizoom
Mies Chair, Archizoom, 1969.

Referências

  • BÜRDEK, Bernhard. História, teoria e prática do design de produtos. São Paulo: Edgard Blücher, 2006
  • CARDOSO, Rafael. Uma introdução à história do design. 2. ed. São Paulo: Edgard Blücher, 2004.
  • CRESTO, Lindsay Jemima. A re-significação da relação entre design e tecnologia na obra dos Irmãos Campana. 2009. 264 f. Dissertação (Mestrado em Tecnologia) – Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Curitiba, 2009.CRESTO, Lindsay Jemima. A re-significação da relação entre design e tecnologia na obra dos Irmãos Campana. 2009. 264 f. Dissertação (Mestrado em Tecnologia) – Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Curitiba, 2009.
  • FIELL, Charlotte and Peter. Design do Século XX. Itália: Taschen, 2005.
  • GARNER, Philippe. Sixties Design. Lisboa: Taschen, 2008.
  • SANTOS, Marinês Ribeiro dos. O Design Pop no Brasil dos anos 1970: Domesticidades e Relações de Gênero na Revista Casa & Jardim. 2010. 312 f. Tese (Doutorado Interdisciplinar em Ciências Humanas)DICH/Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2010.

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