Resenha: Histórias do Design no Brasil II

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Teoria e História do Design – PPGDESIGN/UFPR

Autores/as: Aulio Zambenedetti e Lariane Casagrande

Resumo: Resultado da disciplina DESI7062 Estudos em Teoria e História do Design, ofertada pelo Programa de Pós-graduação em Design da Universidade Federal do Paraná (UFPR), a resenha do livro Histórias do design no Brasil II organizado por Marcos da Costa Braga e Dora Souza Dias, publicado em 2014, pretende trazer articulações com os debates realizados em disciplina, com destaque para as ideias de Victor Margolins (Nova Iorque, 1941 – Washington D.C., 2019) em Historia del diseño y studios sobre diseño e Rafael Cardoso (Rio de Janeiro, 1964) em Uma introdução à história do design. Apresenta como resultado a explicitação dos recortes realizados pela organização do livro.

Marcos da Costa Braga formado em desenho industrial pela UERJ, mestre em Artes pela UERJ, e doutor em História pela Universidade Federal Fluminense, organizou com Dora Souza Dias, formada em arquitetura e urbanismo e mestre em arquitetura pela FAU-USP, o livro Histórias do Design no Brasil II no ano de 2014. O segundo número de uma série de 3 lançados a partir de 2012, é uma coletânea de artigos desenvolvidos como trabalhos finais para a disciplina AUH5857 – História Social do Design no Brasil ofertada pelo PPGDesign da FAU-USP, em 2010, e são, com exceção do capítulo 9, temas extraídos das pesquisas de mestrado e doutorado de seus respectivos autores e autoras. É composto por 10 capítulos que abordam temas tais como mobiliário, ensino e metodologias, editorial, tipografia, artes gráficas e sistema produtivo, com fontes de pesquisa concentradas na cidade de São Paulo, a partir da perspectiva de pesquisadores e pesquisadoras com formações em arquitetura e design, que trazem visões sobre a formação e consolidação do design durante o século XX no Brasil.

Trata-se de uma coletânea de textos com temas e metodologias diversas ligadas ao tópico amplo “histórias do design”, que corrobora, pela sua natureza heterogênea, com a ideia de pensar a história do design pela multidisciplinaridade. Para Margolin (2005): “pensar na história do design como uma disciplina baseada em suposições firmes sobre o que é o design e como podemos estudar seu passado é ignorar as fronteiras intelectuais dinâmicas que ocorrem em outros campos” (MARGOLIN, 2005, p.305). Mas além do tópico “histórias do design”, os textos estão conectados por uma estrutura de escrita positiva e epistemologicamente neutra, pelo uso do sujeito oculto, promovendo, com isto, afastamento entre leitor e obra, e em alguma instância uma noção de escrita histórica como verdade. Sobre o título da obra, mesmo que a palavra design esteja em destaque, o termo design/designer é pouquíssimo utilizado nos capítulos, sendo utilizados termos como artes gráficas, esteta, e estética tipográfica, o que caracteriza os capítulos em contextos profissionais em que o termo design não era de uso corrente.

É preciso destacar que apesar do título da obra prometer versões historiográficas do design no Brasil, os dez artigos estão situados na cidade de São Paulo. O que nos faz refletir sobre uma ideia de design condicionada por marcadores socioculturais situados e específicos, o oposto do que seriam versões históricas plurais do design no Brasil, que certamente produziriam uma sorte de outros desdobramentos. Entendemos que a organização do livro é feita por meio de um estilo de escrita não linear, demarcada tanto pela heterogeneidade de temas tratados como pelo uso do plural em “histórias” no título do livro. Mas observamos que a fragmentação é característica na série, o que permite brechas para que o leitor complemente com suas próprias articulações as questões levantadas ou resguardadas. Contraditoriamente, seria possível interpelar tais articulações quando pretender trazer o “design no Brasil” a partir de um único olhar geo-sócio-politicamente demarcado de São Paulo, em um território vasto e heterogêneo como o Brasil.

A capa do livro, desenvolvida por Dora Souza Dias, procura localizar visualmente a heterogeneidade dos temas trabalhados com ênfase para uma aproximação das áreas de gráfico e de produto, por meio do uso de elementos citados em dois dos artigos que compõem a obra (capítulos 6 e 7). Assim a tipografia Ruben, desenhada por Fernanda Martins a partir de uma fonte desenhada por seu pai, o também designer, Ruben Martins (1929-1968) é ajustada ao esboço do sofá Hauner – desenvolvido por Sérgio Rodrigues e incluído no texto do capítulo 7 para retratar uma das etapas de desenvolvimento do projeto de mobiliário -, de modo a compor o cenário visual da obra.

Este esforço para a aproximação e delimitação entre gráfico e produto também pode ser notado no texto que abre a coletânea, ainda que o livro seja divido costurando-se os capítulos entre pesquisas de gráfico e de produto, a introdução de Dora Souza Dias apresenta o conteúdo a partir da divisão entre essas duas especialidades e não na sequência dos capítulos. Ainda sobre a materialidade da obra, provavelmente por ajustes a custos de produção, notamos que as imagens inclusas nos artigos foram convertidas em preto e branco, e, por isso, por vezes não dão conta de dar suporte ao texto. Como nos casos em que o autor ou autora pretende discorrer sobre cores, contrates e saturação.

Imagens internas do livro Histórias do Design no Brasil II.
Imagens internas do livro Histórias do Design no Brasil II

Dá início aos capítulos, o texto de Antônio Franco, Móvel popular e a alta tecnologia: o paradoxo brasileiro exemplificado pela Bergamo Companhia Industrial, sobre o desenvolvimento tecnológico na produção de móveis e sua relação com o design de móveis populares no Brasil, por meio do estudo de caso da empresa Bergamo (3). Com o argumento de que o rápido crescimento urbano nas principais cidades do país à partir do século XX, resultou na necessidade de uma produção de móveis em larga escala com preço unitário mais baixo. Traz, como consequência, a utilização de estratégias como o sistema de furação modulada e a substituição da madeira maciça por materiais artificiais. A pesquisa foi fundamentada em depoimentos orais, documentos, folhetos, catálogos, bem como a experiência do próprio autor quando ali prestou consultoria entre 1994 e 2000.

No segundo capítulo, O ensino da Comunicação Visual nos anos 1960: a contribuição de Ernest Robert de Carvalho Mange, Dora Souza Dias investiga a contribuição de Ernest Robert de Carvalho Mange (São Paulo, 1922-2005) (4) para o ensino de comunicação visual no Brasil. O texto enfatiza sua participação ativa na composição e reforma de currículo da sequência de disciplinas de Comunicação Visual da FAU-USP, que se deu entre 1961 e 1962, procurando se adequar à realidade de um campo profissional amplo. Traz como consequência de sua atuação, a inclusão do estudo da mensagem visual, semiótica, diagramação de impressos, e estudos de processos de reprodução industrial e artesanal.

O conteúdo segue com Livro infantil acessível ao leitor com deficiência visual entre a manufatura e a indústria gráfica, deElizabeth Romani. Apresenta a análise do papel da produção industrial para o desenvolvimento de livros acessíveis por meio de uma seleção de materiais produzidos pela Fundação Dorina Nowill para Cegos (5), e Laramara – Associação Brasileira de Assistência ao Deficiente Visual (6), com o principal argumento de que a produção industrial viabilizou o aumento significativo na oferta de livros em braille. 


Já no capítulo 4, Iana Garófalo Chaves analisa a contribuição da metodologia de Miguel Giannini (São Paulo, 1942-2021) em A adequação do produto óculos ao seu usuário: a metodologia de Miguel Giannini, sendo o primeiro capítulo em que o termo design é acionado.A pesquisa contou com depoimentos orais de Miguel Giannini, a trajetória do chamado “esteta ótico”, e a descrição da metodologia que inclui diretrizes como atendimento personalizado, conceito de lojas sem vitrine, análise do receituário, perfil psicológico, e diretrizes específicas para crianças.

Em Composição de texto no Brasil entre os anos de 1950 e 1975, Isabela Ribeiro Aragão explicita a disponibilidade e uso dos processos de composição de texto em 1950-1970 no Brasil, revelando características específicas do setor gráfico a partir de anúncios, reportagem e publicidade do Boletim da Indústria Gráfica (7) e a revista Brasil Gráfico (8). Apresenta como resultado dados sobre aparelhagem, funcionamento, divisão de setores, e número de trabalhadores do período.

Luciano Cardinali analisa a trajetória dos estudos da tipografia no Brasil à partir da criação da mostra Tipografia Brasilis em 2000 em Tipografia Brasilis: identidade, experimentação e referências vernaculares. Sendo seu principal argumento a noção de que as ideias modernistas da década de 1980 dificultaram uma expressão identitária brasileira.

No capítulo 7, Móveis Artesanal: prelúdio à Forma, OCA e Mobilinea, Mina Waechavchik Hugerth analisa a história da Móveis Artesanal (9) e sua influência na história da movelaria, destacando a intencionalidade de produção de produtos industriais com apelo ao modernismo internacional, bem como, o distanciamento da ideia de identidade nacional.

Em O início do uso do computador pessoal como ferramenta de trabalho nos escritórios de design gráfico na cidade de São Paulo, Roberto Temin examina a chegada dos equipamentos com interface gráfica nos escritórios de São Paulo. Destacando a chegada desta nova ferramenta como causa e efeito para um suposto aumento das experimentações visuais, diminuição dos prazos de trabalho e desparecimento de profissões manuais.

Silvia Nastari analisa a influência de Tomás Santa Rosa (João Pessoa, 1909-1956) na evolução e distinção da identidade visual da Editora José Olympio entre as décadas de 30 e 40 do século XX em Santa Rosa e a unidade visual da Editora José Olympio. Silvia argumenta que a parceria entre Santa Rosa e a Editora José Olympio (10) resultou em uma linguagem gráfica inovadora e parâmetro para o design de livros no Brasil.

Por fim, Verônica Thomazini Passos encerra a coletânea de artigos com o texto Calçados Pellegrini: da produção ao projeto próprio, no qualanalisa a trajetória da Fábrica de Calçados Pellegrini (11), bem como, a trajetória de um dos seus fundadores, o chamado mestre sapateiro Alberto Pellegrini. Argumenta que a Pellegrini se destaca por manter uma produção manufaturada dentro do período de industrialização e sugere que Alberto pode ser considerado um pré-designer (MAGALHÃES, 1985, p.174) pela inventividade de seus modelos e processos de fabricação.

Posto isso, compreendemos que a escrita histórica envolve necessariamente um processo de seleção de fatos e de avaliação de sua importância, apresentamos a ideia de Rafael Cardoso em Uma introdução à história do design, de que: “Existe frequentemente uma superabundância de fontes e relatos sobre um acontecimento qualquer e cabe ao historiador a tarefa altamente delicada de interpretá-los e construir a sua versão. Toda versão histórica é uma construção e, portanto, nenhuma delas é definitiva” (CARDOSO, 2000, p.13). Por isso, faz-se necessário que se explicite qual é o local discursivo de que se parte, a fim de não se incorrer no erro de práticas de escrita simplistas e universais.   

Assim, o livro Histórias do design no Brasil II, serve como conteúdo historiográfico, no sentido de dar conta de quais assuntos têm relevância nesse tempo e espaço, especificamente, na disciplina AUH5857 – História Social do Design no Brasil no PPGDesign da FAU-USP, bem como, de que maneira estão sendo trabalhados. Configurando-se em uma contribuição para o ensino e história do design no Brasil. Além de também constituir, cada um dos artigos apresentados na coletânea, conteúdo inicial para desdobramentos de futuras pesquisas no campo, e um chamariz para as pesquisas das quais os textos foram extraídos.

Referências

BRAGA, Marcos da Costa; DIAS, Dora Souza (orgs). Histórias do design no Brasil II. São Paulo: Anablume, 2014.

DENIS, Rafael Cardoso. Capítulo 2. Industrialização e organização industrial, séculos 18 e 19. In: ____. Uma Introdução à História do Design. São Paulo: Edgard Blücher, 2000.

MAGALHÃES, Aloísio. E Triunfo? A questão dos Bens Culturais no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira/Fundação Nacional Pró-Memória, 1985.

MARGOLIN, Victor. Historia del diseño y studios sobre diseño. In: MARGOLINS, Victor. Las Politicas de lo artificial: ensaios e estudios sobre deseño. México: Editora Designio, 2005.

Notas de rodapé

(1) Aulio Zambenedetti. Mestrando em Design pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), na linha de pesquisa Teoria e História do Design.  Comunicador Visual pela UFPR – Universidade Federal do Paraná em 1987. Especialização em Gestão Pública FESP- Fundação de Estudos Sociais do Paraná em 2014. Desenvolveu, coordenou, divulgou e apoiou ações, projetos e programas envolvendo Design como ferramenta para melhoria de produtos, serviços e desenvolvimento econômico local. Trabalhou no projeto do Centro Municipal de Design de Curitiba. Integrante da equipe de candidatura de Curitiba à Cidade do Design UCCN UNESCO. Duas vezes candidato à vereador em Curitiba com plataformas baseadas em economia criativa. Sócio fundador da ProDesign Pr Associação das Empresas e Profissionais de Design do Paraná do qual foi Presidente na gestão 2016-2017. Disponível em http://lattes.cnpq.br/8614292004945255

(2) Lariane Casagrande. Doutoranda em Design pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), na linha de pesquisa Teoria e História do Design. Mestre em Comunicação pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), na linha de pesquisa Imagens e Linguagens. Possui formação em Bacharelado em Design Gráfico pela UEL. Graduação-sanduíche na Universidade Rider (EUA) pelo Programa Ciência sem Fronteiras. Participa dos grupos de pesquisa: Design e Cultura (UTFPR) e Teoria, história e crítica do design e atividades projetuais (UFPR). Realiza pesquisa sobre gênero, raça e classe em visualidades. Disponível em: http://lattes.cnpq.br/1505416125174521

(3) Bergamo – Fábrica de Móveis 1927-2006, a marca pertence atualmente ao Grupo Madetec fundado em 1998 instalada na cidade de Arapongas – PR. Disponível em https://www.bergamo.com.br/ e https://www.madetec.com.br/br/a-madetec. Acesso em 10 de julho de 2023;

(4) Disponível em: Ernest Robert de Carvalho Mange (28/12/1922 – 12/05/2005) (1library.org) Acesso em 10 de julho de 2023;

(5) Dorina de Gouvea Nowill ( São Paulo 1919/2010) A Fundação Dorina Nowill criada em 1946 em São Paulo / SP  é uma organização sem fins lucrativos de caráter filantrópico dedicada à inclusão social de pessoas cegas e com baixa visão. Disponível em: https://fundacaodorina.org.br/ . Acesso em 10 de julho de 2023.

(6) Fundada em 1991 em  SãoPaulo-SP é uma organização da sociedade civil, sem fins lucrativos e sem vínculos políticos ou religiosos. visa promover o desenvolvimento integral da pessoa com deficiência visual, por meio de atendimento direto, ações de assessoramento e defesa e garantia de direitos, para a sua autonomia e inclusão social. Disponível em: https://laramara.org.br

(7) Revista publicada à partir de 1948 pelo Sindicato das Indústrias Gráficas no Estado de São Paulo reconhecido em 12 de fevereiro de 1944 congregando associações sindicais de tipogratias. encadernadores e gravuristas. Edições à partir de 1975 disponíveis em: https://www.sindigraf.org.br/comunicacao-boletim-da-industria-grafica/

(8) Revista Brasil Gráfico lançada em 1950 com apoio do Sindigraf – Sindicato das Indústrias Gráficas no Estado de São Paulo. ARAGÃO, I.; FARIAS, P. L. Apontamentos para uma história da fundição de tipos no Brasil do século 20: o caso da Funtimod. Blucher Design. Anais… In: 6 TH INFORM ATION DESIGN INTERNATIONAL CONFERENCE. [s.d.]. Disponível em: <https://pdf.blucher.com.br/designproceedings/cidi/CIDI-119.pdf>. Acesso em: 11 jul. 2023

(9) Móveis Artesanal fundada por Carlo Hauner funcionou em São Paulo entre 1950 e 1955.

(10) A Editora José Olympio foi fundada por José Olympio Pereira Filho em 1931 na cidade de São Paulo. Em 1934 mudou para a cidade do Rio de Janeiro então capital do Brasil. Foi a maior do país nas décadas de 1940 e 1950 e desde 2001 pertence ao Grupo Editorial Record. Disponivel em: https://www.record.com.br/editoras/jose-olympio/ Acesso em 10 de julho de 2023.

(11) Calçados Pellegrini, fundada em 1902 em São Paulo no bairro do Bexiga, é a mais antiga fábrica de calçados no Brasil ainda em funcionamento, com calçados feitos à mão. Disponível em: https://www.pellegrini.com.br/

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