Resenha: IAC: Primeira Escola de Design do Brasil

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Teoria e História do Design – PPGDESIGN/UFPR

LEON, Ethel. IAC Primeira Escola de Design do Brasil. Editora Blucher, 2014. 

Autoras: Marcelle Melo e Rachel Rebske Hoppe

Resumo: Esta resenha tem como objetivo apresentar algumas considerações acerca do livro IAC: primeira escola de Design do Brasil (2014). Após uma breve apresentação do conteúdo, sugerimos algumas reflexões embasadas em textos lidos durante a disciplina de Teoria e História do Design, ofertada pelo Programa de Pós-graduação em Design da UFPR. Destacam-se aspectos da metodologia utilizada, assim como os conceitos de memória, parcerias e a constituição da prática do design.

O livro IAC: primeira escola de design do Brasil foi escrito por Ethel Leon, jornalista, pesquisadora e professora de história do Design[1]. O estudo foi fruto de sua dissertação de mestrado, realizada na FAU USP em 2006, com orientação de Julio Katinsky. Leon buscou reconstruir, de forma fragmentária, aspectos da história do Instituto de Arte Contemporânea, sobre o qual argumenta ter fundado um discurso específico sobre design no Brasil. Assim, a publicação corrobora com avanços significativos acerca da historicidade do desenho industrial brasileiro do século XX, além de fomentar novos estudos sobre o IAC, um tema ainda pouco explorado.

Como base teórica para esta resenha, utiliza-se os textos de Isabel Campi (2013) e Victor Margolin (2014), acerca de discussões sobre a constituição do campo da história do design. Conjuntamente é referenciado o artigo de Silvana Rubino (2010) para sugerir desdobramentos relacionados à categoria de gênero que podem derivar deste estudo sobre o IAC.

Campi propõe uma reflexão sobre a constituição do campo do design, uma vez que não existe um consenso sobre sua definição (CAMPI, 2013, p.31). Segundo ela, é importante questionar como (e a partir de quem) se define o que é considerado design, visto que em cada momento da história há um agente dominante responsável por essa definição (CAMPI, 2013, p.53). Portanto, é impossível dissociar o design da sociedade na qual ele se situa. Propõe ainda que a instabilidade do termo dificulta a atividade de historiadoras e historiadores do design, tendo em vista que não há uma delimitação do objeto de estudo.

Ao analisar as origens da história do design enquanto disciplina, Margolin conclui que esta surge como um apêndice de outras áreas (MARGOLIN, 2014, p.306), partindo de métodos e teorias que não se mostram adequadas ao design. Ao propor um desenvolvimento da disciplina, ressalta o caráter multidisciplinar do design (MARGOLIN, 2014, p.319) e a necessidade das pesquisadoras e dos pesquisadores da área adotarem uma abordagem mais ampla e plural do tema.

No primeiro capítulo, ao explicar as origens do IAC e o aparato educativo composto em conjunto com o MASP e a revista Habitat[2], Leon afirma que essa tríade foi estruturada com o intuito de ensinar o “bom gosto” às elites de São Paulo. Ao mencionar Assis Chateaubriand (1892-1968), Pietro Maria Bardi (1900-1999) e Lina Bo Bardi (1914-1992), podemos acionar a reflexão de Campi (2013) sobre os agentes dominantes que determinam a definição de design. Sobretudo em relação à Pietro Maria Bardi, que tinha laços com o fascismo italiano[3].

Ainda no primeiro capítulo, é interessante sinalizar sobre a mudança do curso proposto por Pietro Maria Bardi: inicialmente uma escola de historiadores da arte, transformou-se em uma escola de desenhistas industriais. No entanto, nota-se que o nome do instituto seguiu fazendo menção à arte contemporânea. A miscelânea de termos – em diversos momentos do livro fala-se em design, desenho industrial ou artes aplicadas para fazer menção ao que parece ser uma mesma atividade – talvez possa ser compreendida através da afirmação de Campi e Margolin de que o design não possui delimitações bem estabelecidas. Pietro Maria Bardi organizou o IAC num momento em que a cidade de São Paulo passava por um processo de modernização, o qual necessitava de uma imagem que o representasse: “A abertura da escola se deu no mesmo ano da realização da I Bienal de Artes. Ou seja, o aggiornamento cultural, amparado no desenvolvimento industrial da cidade, parecia o cenário perfeito para a instalação de uma escola de design industrial” (LEON, 2014, p.75).

A mesma afirmação pode servir para compreensão do sexto capítulo, que aborda as menções ao IAC em outras obras[4] que buscam delimitar o marco inicial da institucionalização do design no Brasil. Visto que não há consenso sobre a definição do termo, é compreensível que diferentes historiadores tenham opiniões distintas sobre esse fenômeno.

No decorrer do livro, nota-se uma lacuna deixada pela autora no que diz respeito às entrevistas realizadas com ex-alunos e ex-professores. Não há uma explicação sobre o método utilizado e tampouco uma abordagem acerca da concepção de memória. Há, somente na introdução, um breve comentário sobre como o evento estudado estava há 50 anos de distância, dificultando a lembrança de algumas entrevistadas e entrevistados. No entanto, as entrevistas têm papel de destaque em todo o livro, em especial as concedidas por Alexandre Wollner.[5]

Por fim, considera-se importante articular o livro com o artigo de Rubino (2010) que, ao analisar fragmentos das trajetórias de Charlotte Perriand e Lina Bo Bardi, aciona a relevância das parcerias[6]. Ao abordar as experiências de ex-alunos e ex-professores, foram mencionados alguns casamentos que derivaram do IAC como o de Irene Ivanovsky[7] e Jacob Ruchti[8], de Maria da Glória Leme[9] e Maurício Nogueira Lima[10] e Alexandre Wollner e Estella Aronis[11]. Assim, novas pesquisas acerca dessas parcerias podem significar uma compreensão do moderno brasileiro, em especial, sob perspectivas de gênero.

As reflexões críticas em relação à obra não têm o intuito de desqualificar a pesquisa, mas sim, contribuir com um tema pouco estudado. A questão da transparência nos processos de entrevistas e a problematização do conceito de memória torna-se proveitoso, principalmente, para futuras pesquisas a respeito do assunto. Nesse ponto, vale reconhecer o trabalho investigativo da autora, haja vista a revelada escassez documental e o caráter inédito do objeto.

Ademais, o livro cumpre o papel de contribuir com o desenvolvimento de pesquisas relativas ao design brasileiro, configurando uma historiografia da área que foge do cânone euro americano, o qual exclui uma série de sujeitos importantes para a constituição do design. É notável o esforço da autora em estabelecer um panorama da sociedade na qual o IAC foi inserido, em uma compreensão de que o design ocorre como fenômeno social dependente de diversos fatores, sejam eles econômicos, culturais ou políticos.

Referências

CAMPI, Isabel. Teorías Historiográficas del Diseño. In: La Historia y las Teorías historiográficas del Diseño. México: Editorial Designo, 2013. pp. 33-103.

LEON, Ethel. IAC Primeira Escola de Design do Brasil. Editora Blucher, 2014. Ebook. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788521207702/. Acesso em: 18 mai. 2023

MARGOLIN, Victor. História do Design e Estudos em Design. IN: MARGOLIN, Victor. Políticas do Artificial: ensaios e estudos sobre design. Rio de Janeiro: Record, 2014. pp. 271-289.

RUBINO, Silvana. Corpos, cadeiras, colares: Charlote Perriand e Lina Bo Bardi. Cadernos Pagu, n. 34, pp. 331-362, jan-jun., 2010. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/8644960. Acesso em 08 jun. 2023.


Notas

[1] Ethel Leon é graduada em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1977). Possui mestrado (2006) e doutorado (2012) em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Tem ministrado diversos cursos livres de História do Design Internacional e História do Design Brasileiro desde 2016 na Galeria Ovo e no espaço da ATEC cultural. Foi editora chefe da Agitprop, revista brasileira de design e, desde 2012, curadora da programação de conferências sobre design e arquitetura da Atec Cultural. Tem experiência na área de história e crítica do design atuando principalmente nos seguintes temas: história do design brasileiro, design gráfico e design de produto. Informações retiradas de seu curriculum na plataforma Lattes, disponível em http://lattes.cnpq.br/3358709900104669. Acesso em 11/07/2023.

[2] O Museu de Arte de São Paulo foi fundado em 1947 por Assis Chateaubriand, que convidou Pietro Maria Bardi para ser diretor da instituição. Em outubro de 1950, foi publicado o primeiro número da revista Habitat, fundada por Pietro Maria Bardi e Lina Bo Bardi. Na Habitat foram publicados textos que criticavam o gosto dominante e a decoração dos lares da elite paulista, exaltando o desenho industrial e a “era da máquina” (LEON, 2014, p.34). Em 1951 foram iniciadas as atividades do IAC, uma escola dentro do MASP.

[3] Quando convidado por Chateaubriand para dirigir o MASP, Pietro Maria Bardi era recém chegado da Itália, onde a autora afirma que ele foi “um árduo defensor da arquitetura moderna no interior das hostes fascistas” (LEON, 2014, p.27).

[4] Design Do Brasil. Origens E Instalações (1997)de Lucy Niemeyer; Branco e Preto (1994) deMarlene Acayaba; Arte, privilégio e distinção (1989) José Carlos Durand; Arts in Brasil (1956) de Pietro Maria Bardi.

[5] Alexandre Wollner (1928-2018) pioneiro da profissão de designer gráfico, atuou neste campo desde 1951, quando entrou no curso de Comunicação Visual no Instituto de Arte Contemporânea do MASP. Foi aluno da Escola de Ulm entre 1954 e 1958. Em sua carreira concebeu projetos de identidade visual para empresas que o tornaram internacionalmente reconhecido.

[6] Silvana Rubino argumenta sobre a importância de analisar as trajetórias bem sucedidas dessas mulheres, visto que as mesmas são capazes de revelar novas características da silenciosa divisão de trabalho por gênero da prática arquitetônica do século XX. A autora critica narrativas que não reconhecem a centralidade dos consórcios firmados entre os casais e a potência dessas parcerias para ambas as partes. Perriand afirmou que o casamento Scholenfield foi seu único caminho para romper com algumas determinações – o casamento lhe assegurou condições de trabalho. O primeiro apartamento do casal, financiado pelo marido, foi um local de experimentação de produção para Perriand. Rubino aponta essa semelhança no projeto da Casa de Vidro, onde a autonomia de Lina Bo Bardi teria sido financiada por Pietro Maria Bardi. Rubino menciona também as parcerias em âmbito profissional, a exemplo do trabalho de Perriand com Le Corbusier e Pierre Jeanneret e Lina Bo Bardi com Giò Ponti.

[7] Irene Ruchti nasceu em Imbituba, Santa Catarina, em 11 de setembro de 1931. Passou a infância e o início da adolescência em Pelotas (RS), onde viveu até 1946.

[8] Jacob Ruchti (1917-1974) nasceu na Suíça, a família migrou para o Brasil no ano de 1919 e se estabeleceu na cidade de São Paulo. Em 1940, Jacob Ruchti concluiu o curso de Arquitetura pela Universidade Mackenzie. A trajetória do arquiteto e sua atuação na arquitetura moderna em São Paulo foram documentadas na pesquisa de mestrado de Valeria Ruchti (2011).

[9] Não foram encontradas informações sobre Maria da Glória Leme.

[10] Maurício Nogueira Lima (1930-1999) inscreveu-se em 1951 no curso de Desenho Industrial e Artes Gráficas do recém-inaugurado Instituto de Arte Contemporânea (IAC). Em meados de 1953 casou-se com Maria da Glória Leme, com quem teve duas filhas.

[11] Estella Tuchsnider Aronis (1932-2021) teve a oportunidade de se tornar aluna do IAC quando Pietro Maria Bardi, crítico de arte italiano e idealizador do MASP, viu seus desenhos expostos no museu. Ela recebeu um convite para participar da escola e foi aprovada.

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