Resenha: Memória do design no Paraná

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CASTRO, Alexandre; NETO, Antonio Razera; BERTÃO, Re-nato (org.). Memória do design no Paraná: Ensino. Curitiba: Universidade Positivo, 2015. 

Autores:

Julio Teodoro da Costa (PPGDESIGN / UFPR) (1)

Ronaldo de Oliveira Corrêa (PPGDESIGN / UFPR) (2)

Resumo: A presente resenha é um dos resultados da disciplina Teoria e História do Design, ofertada pelo Programa de Pós-graduação em Design da UFPR. Nela, propomos algumas considerações críticas sobre os livros da coletânea Memória do Design no Paraná. Após fazer uma apresentação dos volumes, algumas questões são levantadas acerca das metodologias utilizadas, do conceito de design e do conceito de memória que a coletânea propõe.

Os livros da coleção Memória do Design no Paraná, dois deles publicados em suporte físico e um disponibilizado digitalmente, são coletâneas de entrevistas com profissionais de Design que tiveram relevância para o desenvolvimento da profissão no estado durante as décadas de 1960 e 1970. A coleção é fruto de uma parceria entre o Departamento de Design da Universidade Positivo com o projeto Entrevistas Coletivas (3), desenvolvido pelo curso de jornalismo da mesma universidade.

Cada Livro da coleção Memória do Design no Paraná foca em 4 profissionais apresentando entrevistas que buscam explorar sua trajetória profissional, partindo dos primeiros contatos com a área, dos estudos, chegando nas experiências profissionais, bem como nas principais contribuições para a área.

O primeiro livro reúne entrevistas de: Guilherme Bender (1948), Jorge De Menezes (1941), Ronaldo Rego (1945) e Rubens Sanchotene (1946). As entrevistas foram concedidas em 2009, e o livro foi lançado em 2010, na ocasião da abertura de uma exposição vinculada à Bienal Brasileira de Design sediada em Curitiba. A equipe multidisciplinar contou com alunos dos cursos de Jornalismo da Universidade Positivo, bem como dos cursos de Design da mesma instituição. A coordenação das atividades referentes a entrevistas, transcrições, validação, diagramação e publicação ficou a cargo dos coordenadores dos cursos de Design: Antônio Razera Neto (4) e Re-nato Bertão (5), e do coordenador do curso de jornalismo: Alexandre Castro (6).

O livro não se coloca como o resultado de uma pesquisa historiográfica, mas sim, como um “registro de ideais e produção dos designers entrevistados por meio de fragmentos de memória que vieram a tona ao longo das entrevistas” (CASTRO; NETO; BERTÃO. 2010, p.5). Uma das motivações para o desenvolvimento de tal material, na perspectiva dos organizadores, foi a carência de bibliografias sobre as origens do design no Paraná.

As entrevistas (7) variam muito entre si, focando na trajetória de vida do entrevistado, contudo possuem alguns pontos em comum, como os primeiros contatos com o design, as áreas e percursos de formação, o foco no início e desenvolvimentos das carreiras, e visões sobre o design atualmente.

O segundo livro possui o foco no ensino, apresenta as entrevistas de quatro docentes dos cursos de Design das universidades no Paraná: Virginia Kistmann, Ivens Fontoura (1940-2020), Ayrton Caminha, da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Dorotéia Baduy Pires (19__-2014), professora na Universidade Estadual de Londrina (UEL). Foi organizado pelas professoras Ana Paula de França (8) e e Thyenne Veiga Vilela (9) a partir de 2012, e publicado em 2015. Esta edição teve apoio dos cursos de design e do programa de iniciação científica da Universidade Positivo. Assim, alguns alunos participaram no processo de identificação dos docentes, construção dos roteiros, acompanhamento das entrevistas, transcrições e registros fotográficos.

Dando continuidade a proposta do primeiro livro da coleção, visa a produção de fontes primárias de qualidade sobre a história do design no Paraná. Para tanto, baseia-se na história oral, vinculando-se às abordagens utilizadas no Centro de Documentação da Fundação Getúlio Vargas (CEDOC-FGV). A escolha do método permite, a partir das entrevistas, acessar dados ligados à “prática didática, o modo de ensinar, os exercícios em sala de aula, elementos que muitas vezes não são registrados em documentos escritos” (FRANÇA; VILELA. 2015, p. 10).

As perguntas buscaram contemplar três pontos principais:

1) A trajetória acadêmica e as primeiras experiências profissionais, de modo a perceber aspectos da história de vida que influenciam impactam na formação e atuação docente; 2) o desenvolvimento da prática docente de modo a explorar as metodologias e adesões teóricas, métodos de avaliação e conhecimentos implícitos; 3) o ensino de design e o contexto contemporâneo, buscando perceber como o docente percebe a situação do design e o seu ensino atualmente. Com estes pontos em mente, os roteiros foram elaborados considerando cada trajetória profissional, de modo a explorar suas experiências particulares.

Após esta breve apresentação dos materiais, desenvolvemos algumas discussões com base na bibliografia revisada durante as aulas da disciplina, visando propor algumas perguntas e reflexões acerca das metodologias utilizadas, do conceito de memória e do conceito de design que a coletânea propõe.

O primeiro volume conta com uma introdução curta, que visa contextualizar o projeto bem como as intenções existentes em disponibilizar as entrevistas em formato de livro. Contudo, não temos acesso à maneira como as equipes foram organizadas, quais atividades foram delegadas para cada participante e qual a experiência que cada membro da equipe possuía. Tais informações seriam de importância para entender a maneira como as entrevistas foram planejadas, realizadas e organizadas como fontes, e como se deu o tratamento metodológico das etapas do processo de coleta das entrevistas, a saber, o acompanhamento das atividades, desde a criação dos roteiros e intencionalidades das perguntas propostas, da captação e direcionamento da entrevista pelos entrevistadores, bem como da transcrição, das edições feitas, até chegar ao formato livro que temos acesso.

A criação de fontes a partir de entrevistas é um procedimento metodológico estruturado, que envolve a sucessão de diversas etapas, como o planejamento, levantamento e pesquisa sobre os entrevistados, criação dos roteiros, o ato das entrevistas, a captação em formato de áudio ou vídeo, a transcrição da entrevista em formato de texto, e as correções deste texto com os entrevistados. A evidenciação destas etapas, bem como das pessoas envolvidas em cada uma delas, nos ajuda a perceber intencionalidades que perpassam as etapas, até a disponibilização destas fontes no formato de livro.

O segundo volume se esforça para deixar estas informações explícitas, identificando os bolsistas e pessoas que participaram do processo. Na introdução, as autoras comentam alguns dos procedimentos metodológicos, como a adesão aos métodos relacionados à história oral, em especial os vinculados ao Centro de Documentação da Fundação Getúlio Vargas (CEDOC-FGV). Ao escolher a história oral como método para a criação de fontes, evidenciam que o motivo de tal escolha é perceber elementos nas narrativas dos docentes que escapam os documentos oficiais: ementas de disciplinas e planos curriculares. Interessam-se pela prática didática, pelos modos de ensino e vivências em sala de aula. Ao explicitar alguns elementos destes processos, involuntariamente também expõem a falta de tais informações no primeiro volume da coletânea.

As autoras informam na introdução que a “história oral é caracterizada por desenvolver projetos de pesquisa fundamentados na produção de entrevistas e construção de acervo para consulta pública” (FRANÇA; VILELA. 2015, p.13), e o volume publicado é uma versão condensada dos relatos, mantendo alguma relação direta com a entrevista original, assim como certa oralidade dos entrevistados, mas não indica quais os parâmetros utilizados para a condensação/edição das entrevistas.

Partindo de algumas reflexões propostas pelo historiador Alistair Thompson, consideramos ser através de um processo de composição que os entrevistados articulam as reminiscências de suas memórias em narrativas, que acessamos através das entrevistas características dos métodos da história oral (THOMPSON, 1997, p. 56). Com isso em mente, é possível afirmar que acessamos pelo livro as construções das editoras sobre as composições dos(as) entrevistados(as), pois a edição das entrevistas alteraria, de certo modo, estas composições.

Assim, algumas perguntas que surgem seriam: qual as intencionalidades das edições? Ela privilegia algumas questões das entrevistas em relação a outras? Estas intencionalidades direcionam o que se mostra e o que se oculta na edição do material, contribuindo para os direcionamentos das narrativas construídas?

Nos dois volumes também não é apresentado o conceito de memória acionado para categorizar os relatos condensados nas publicações. Segundo Smolka (2000), a partir de diferentes perspectivas, a memória adquire diferentes significados sociais, envolvendo a maneira como a memória é acessada, quais linguagens são utilizadas para comunicá-la e como ela é circulada socialmente. Explicitar o conceito de memória utilizado, indicando as vinculações teóricas ou referências utilizadas pelos organizadores e organizadoras no desenvolvimento do projeto pode nos informar de quais perspectivas as entrevistas foram concebidas, e auxiliar no entendimento de como elas contribuem para a construção de parte da história do design paranaense.

Isabel Campi (2013), historiadora espanhola do design, nos apresenta algumas discussões sobre a história do design. Ela comenta que a dificuldade de definição do termo design contribui na indefinição do campo de atuação de historiadores(as). Isso decorre do argumento de que a definição do termo design acaba por delimitar o objeto de estudo – seja a prática, os atores, os sistemas de objetos, as teorias, outros… Dito de outra forma, o que fica dentro e fora de tal objeto/conceito.

Nas entrevistas publicadas na coletânea, a formação profissional parece ter relevância para o conceito de design construído a partir das entrevistas. O domínio dos conhecimentos em composição e metodologia são valorizados, bem como a experiência em escritórios e projetos de comunicação visual, projetos de móveis e sinalização. A formação na Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI), a atuação em outras instituições de ensino e escritórios, que buscavam inserir o design no país no período, também eram citadas como momentos importantes das trajetórias narradas. Assim, podemos supor que o conceito de design, nesses livros, está vinculado a algumas práticas, instituições, circuitos educacionais e profissionais, temas valorados no período narrado pelos entrevistados.

 Para Rafael Cardoso, historiador e professor brasileiro, “Toda versão histórica é uma construção e, portanto, nenhuma delas é definitiva. A história não é um conjunto de fatos, mas um processo contínuo de interpretar e repensar velhos e novos relatos.” (CARDOSO, 2008) Ao circular os relatos sobre o período de inserção do design no Paraná, a coletânea nos permite refletir sobre a impressão de alguns personagens desta história e como, através de suas vivências, participaram ativamente deste processo. Perceber as potencialidades e lacunas do material, percebendo seu contexto de criação, nos auxilia na apropriação de seu conteúdo para o desenvolvimento de novas pesquisas na área. Espera-se que com as reflexões aqui esboçadas possamos contribuir para tal desenvolvimento.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAMPI, Isabel. Teorias Historiográficas del Diseño. In: ____. La Historia y las Teorías historiográficas del Diseño. México: Editorial Desígno, 2013. pp. 33-103.A

CASTRO, Alexandre; NETO, Antonio Razera; BERTÃO, Re-nato. Memória do design no Paraná. Curitiba: Universidade Positivo, 2010. 112 p.

CARDOSO, Rafael. Uma Introdução à História do Design. São Paulo: Edgard Blücher, 2000.

FRANÇA, Ana Paula; VILELA, Thyenne. Memória do design no Paraná: Ensino. Curitiba: Universidade Positivo, 2015. 104 p.

MEIHY, José Carlos. Manual de História Oral. São Paulo-SP.  Editora Loyola. 2005.

THOMPSON, Alistar. Recompondo a Memória: Questões sobre a relação entre História Oral e as memórias. In: Projeto História. São Paulo, 1997.

Notas de rodapé

(1) Julio Teodoro da Costa é Doutorando pelo Programa de Pós-graduação em Design da Universidade Federal do Paraná. Possui formação em Design gráfico pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Mestrado em Tecnologia e Sociedade pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná. E-mail: Juio.teodoro.21@gmail.com

(2) Doutor em Ciências Humanas (PPGICH-UFSC). Professor no Programa de Pós-Graduação em Design da Universidade Federal do Paraná (PPGDesign-UFPR). rcorrea@ufpr.br

(3) Projeto cujo objetivo é a coleta de depoimentos de profissionais de diversas áreas do conhecimento e registrando-os em livros. (CASTRO; NETO; BERTÃO. 2010)

(4) Antonio Razera Neto possui graduação em Desenho Industrial pela Universidade Federal do Paraná (1978) e mestrado em Pós-graduação em Engenharia Florestal pela Universidade Federal do Paraná (2005). Atualmente é professor dos cursos de design de produto e design da Universidade Positivo. Informações retiradas de seu curriculum na plataforma Lattes, disponível em http://lattes.cnpq.br/2218408367715970. Acesso em 29/06/2022.

(5) Renato Antonio Bertão é PhD em Smart Experience Design pela Graduate School of Techno Design da Kookmin University (Coréia do Sul). Possui MBA em International Business pela Ajou University (Coréia do Sul), mestrado em Ciência, Gestão e Tecnologia da Informação pela UFPR, graduação em Artes Plásticas – Bacharelado em Artes Visuais pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná e curso técnico em Desenho Industrial pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Atuou como professor assistente e coordenador dos cursos de Design – Projeto Visual e de Design de Moda da Universidade Positivo. Também foi professor do curso de Artes Visuais da Universidade Tuiuti do Paraná. Entre 2015 e 2016 atuou como professor substituto do departamento de Design da Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Informações retiradas de seu curriculum na plataforma Lattes, disponível em http://lattes.cnpq.br/4529955433186464. Acesso em 29/06/2022.

(6) Carlos Alexandre Gruber de Castro é graduado em Jornalismo Gráfico e Audiovisual pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, especialista em Pensamento Contemporâneo Século XX pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, MBA em Estratégia das Organizações pela Universidade Positivo e mestrando em Dirección Estratégica pela Universidad Europea Miguel de Cervantes, de Valladolid, Espanha. É professor do curso de Jornalismo da Associação Educacional Luterana Bom Jesus/IELUSC, de Joinville, e presidente do Instituto Irene Canalles de Ciência, Cultura e Arte, sediado em Curitiba. É autor, organizador e/ou editor de mais de 20 livros e já recebeu mais de 50 prêmios e títulos profissionais e acadêmicos. É professor licenciado da PUCPR, da qual foi chefe do Departamento de Comunicação Social e coordenador do curso de Especialização em Qualidade Total em Comunicação Social. Foi também implantador, professor e coordenador do curso de Jornalismo da Universidade Positivo e idealizador e presidente do Instituto Cultural de Jornalistas do Paraná. Informações retiradas de seu curriculum na plataforma Lattes, disponível em http://lattes.cnpq.br/9105078734579908. Acesso em 29/06/2022.

(7) Para reconhecer os temas das entrevistas, bem como ter uma visão comparativa entre elas, uma planilha no Excel foi montada, onde cada coluna corresponde a cada um dos entrevistados, e cada linha correspondeu a uma pergunta. Tal exercício visou posicionar as perguntas em uma única tela para análise, o que permitiu perceber similaridades e discrepâncias entre as perguntas feitas para cada entrevistado.

(8) Ana Paula França Carneiro da Silva é doutora em Design (UFPR), possui graduação em Desenho Industrial (UFPR) e especialização em História da Arte do século XX (EMBAP/PR). Mestre em Artes Visuais, na área de História e Teoria da Arte (EBA/UFRJ). Informações retiradas de seu curriculum na plataforma Lattes, disponível em http://lattes.cnpq.br/5929797722323777. Acesso em 29/06/2022.

(9) Thyenne Veiga Vilela possui Mestrado em Comunicação e Linguagens e graduação em Desenho Industrial – Design Gráfico pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP). Docente e atuante do Núcleo Docente Estruturante (NDE) nos cursos de Design da Escola de Comunicação e Design da Universidade Positivo (UP). Supervisora de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) / Grupo de Estudo e Pesquisa (GEP) da UP. Atuou no Centro de Design Paraná (atual CBD Centro Brasil Design). Informações retiradas de seu curriculum na plataforma Lattes, disponível em http://lattes.cnpq.br/3068969792150124. Acesso em 29/06/2022.

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