Resenha: Dez ensaios sobre memória gráfica

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Teoria e História do Design – PPGDESIGN/UFPR

Autores/as: Elizabeth Resende Carvalho, Thais Dyck dos Santos Lima e Vinicius da Silva Ronsoni

Resumo: O objetivo do trabalho é apresentar uma resenha do livro Dez Ensaios Sobre Memória Gráfica, organizado por Priscila Farias e Marcos da Costa Braga, publicado em 2018. A partir dos debates realizados na disciplina de Estudos em Teoria e História do Design, vinculada ao Programa de Pós-graduação em Design da Universidade Federal do Paraná (UFPR), procuramos explicitar e compreender os conceitos, abordagens metodológicas e intencionalidades contidas no livro.

Dez Ensaios sobre Memória Gráfica, organizado por Priscila Farias[1] e Marcos da Costa Braga[2], publicado pela editora Blucher em 2018, é uma coletânea composta por dez textos caracterizados como estudos pertencentes à linha de memória gráfica e que tratam do design como um aspecto histórico e cultural, espaço-temporalmente localizados no contexto latinoamericano, em especial o brasileiro. Resultado da disciplina Memória Gráfica e Cultura Material ofertada pelos organizadores no PPGDesign da FAU-USP, o livro “propõe identificar e refletir sobre as principais características e questões ligadas a essa linha de estudos, com a intenção de contribuir com parâmetros para uma definição do que seja memória gráfica e quais seriam suas especificidades e conexões com outros campos” (Farias e Braga, 2018, p. 10)

O primeiro ensaio, “O que é memória gráfica?”, escrito pelos organizadores, é estrategicamente disposto no início do livro, a fim de legitimar e justificar, de certa maneira, as localizações teóricas dos textos subsequentes. Os autores discorrem sobre as principais características dos estudos em memória gráfica, elaborando parâmetros possíveis na definição dessa linha e categorizando sua importância dentro das pesquisas em design gráfico. Farias e Braga constroem seu argumento apontando as especificidades destes trabalhos, bem como suas conexões com outros campos, o da cultura visual, cultura da impressão, cultura material, memória coletiva e história do design gráfico.

Os quatro capítulos seguintes têm como objetivo relacionar os conceitos de memória gráfica com os da cultura visual, a partir de objetos de Design Editorial. Primeiramente, no ensaio intitulado “O Design das Capas da Biblioteca Pedagógica Brasileira Série II – Livros Didáticos, da Companhia Editora Nacional”, Didier de Moraes[3], desenvolve uma análise das capas dos exemplares da coleção BPB Série II – Livros Didáticos, editados e impressos pela CEN. Em seguida, no texto “O Design Gráfico da Coleção Biblioteca de Literatura Brasileira, publicada pela Livraria Martins Editora nas décadas de 1940-1950”, Silvia Nastari[4] faz uma descrição geral dos itens comuns aos livros desta coleção e, a partir da sistematização dos dados, elenca seus aspectos mais relevantes, a fim de construir uma aproximação com a história do design editorial no Brasil. Larissa Falcão[5] estuda no texto subsequente, “A influência do estilo tipográfico do Art Nouveau nos primeiros jornais dos imigrantes japoneses do Brasil”, a presença dos elementos do Art Nouveau e dos estilos clássicos japoneses nesses impressos, de 1916 a 1923. Por fim, Raissa Monteiro dos Santos[6], conclui essa temática no texto “Conforto feminino e conforto masculino: o Mappin e os anúncios publicitários.” em que procura compreender como os anúncios veiculados por essa empresa, que foram produzidos e circulam na cidade de São Paulo, ajudaram a construir as representações de gênero no período de 1931 e 1945.

Os capítulos 6, 7 e 8 contemplam objetos de estudo a partir da temática da Identidade Visual. Os textos “A estrela e a rosa dos ventos: trajetória gráfica de uma marca a partir da leitura dos catálogos da manufatura de brinquedos Estrela dos anos 1940 e 1950”, de Wilma Temin[7], “A assinatura gráfica da Pinacoteca do Estado de São Paulo a partir de documentos institucionais impressos entre 1912 e 2012”, de Jade Piaia[8] e Edson Pfützenreuter[9], e “A comunicação visual do IADÊ no período de 1959 a 1987”,  de Auresnede Pires Stephan[10], apontam para a importância da análise dos elementos gráficos em impressos institucionais, em especial das identidades visuais,  como rastros de histórias e saberes de determinados tempos e espaços.

Os dois últimos capítulos do livro abordam temas avulsos dentro da organização da coletânea, tendo como cerne a Cultura Visual Popular e a Tipografia Arquitetônica, respectivamente. Maria Ardinghi[11], no ensaio “Dupla Coração do Brasil: O retrato de uma história sociocultural nas capas de disco da década de 1960”, discute, a partir da análise semiótica das capas de disco de Tonico e Tinoco da década de 1960, a representação de temas e elementos visuais pertinentes ao universo caipira. Em seguida, José D’Elboux[12] encerra a obra com o texto “O elemento tipográfico nos projetos de Artacho Jurado para feiras transitórias”, analisando desenhos desenvolvidos pelo escritório de Jurado, considerando o acionamento do imaginário de modernidade da época.

Os textos, estrategicamente organizados e combinados indicam a intencionalidade dos organizadores em consolidar um conceito de memória gráfica, junto a outras disciplinas, em especial a do design gráfico. Procura-se construir uma ideia de veracidade em relação ao conteúdo da publicação, apontando-o, de forma definitiva, como a categorização do que é memória gráfica em si, e não apenas uma versão possível. É preciso explicitar e compreender as disputas e tensionamentos que atravessam a consolidação da linha, para que o próprio termo seja esgarçado, elaborado e dê conta da complexidade do que se propõe. Posto isso, apresentamos a provocação formulada por Rafael Cardoso Denis[13] (2000) que considera toda versão histórica como uma construção. Segundo o autor, a história não se trata de um conjunto de fatos, mas sim de um “processo contínuo de interpretar e repensar velhos e novos relatos” (Denis, 2000, p. 13).

Além disso, a recorrente indexação dos elementos gráficos é algo que permeia a leitura do livro, já que a análise feita pelos autores acaba por olhar o objeto de forma superficial. Da mesma maneira, o protagonismo dado às tipografias na maioria dos artigos, nos parece, de certa forma, forçado, visto que não oferece uma contribuição para o conceito de Memória Gráfica proposto, predefinindo escolhas metodológicas e hierarquizando elementos visuais e materiais dos objetos de estudos. Não há assim um questionamento dos possíveis atravessamentos contextuais materializados nos artefatos apresentados.

Vale ressaltar que os ensaios publicados concentram-se na região sudeste do Brasil, mais especificamente na cidade e no estado de São Paulo. Os acervos acessados, em sua maioria, também estão localizados nesse Estado. Fato que nos provoca questionar o que fica de fora e o que é contemplado pelas narrativas que os autores estão construindo sobre memória gráfica. Para tal reflexão acionamos Marinês Ribeiro dos Santos[14] (2015) que, em diálogo com a historiadora do design Isabel Campi[15] (2003), aponta que “A maneira pela qual a história é contada configura uma espécie de lente pela qual olhamos o design. Essa lente amplia e dá foco para o que é considerado importante de ser lembrado, mas também relega o que ficou de fora ao esquecimento.” (Santos, 2015, p. 26).

Outras questões são importantes de serem pontuadas. Em especial, a ideia de “memória”, acionada pelo livro. A teoria mnemônica de Maurice Halbwachs, a qual os organizadores afirmam fundamentar os estudos em memória gráfica, parece ser acionada de maneira bastante instrumental, visto que, majoritariamente, os ensaios compreendem a memória como plausível de resgate. Desse modo, apesar do esforço em constituir a representação dos estudos em memória gráfica, os ensaios apresentados não dão conta do que se aponta como pretensão no primeiro capítulo, uma vez que os objetos não são entendidos em relação ao contexto espaço-temporal como rastros materiais de práticas e sociabilidades, acessados a partir de outros tempos e espaços.

Por fim, propomos que há um 11º ensaio, o próprio projeto gráfico do livro, elaborado por Gustavo Piqueira e Samia Jacintho. Importa compreender as narrativas visuais em relação às verbais que constituem o livro, potente em suas contradições, convergências e contaminações.

Referências

DENIS, Rafael Cardoso. Introdução. In: ____. Uma Introdução à História do Design. São Paulo: Edgard Blücher, 2000. pp. 12-18

FARIAS, Priscila; BRAGA, Marcos da Costa (orgs). Dez ensaios sobre memória gráfica. São Paulo: Blucher, 2018.

SANTOS, Marinês Ribeiro. Questionamentos sobre a oposição marcada pelo gênero entre produção e consumo no design moderno brasileiro: Georgia Hauner e a empresa de móveis Mobilinea (1962-1975). Caderno aTempo: História da Arte e Design. Barbacena: EdUEMG, vol. 2, 2015. pp. 25-43. Disponível em: <https://editora.uemg.br/images/livros-pdf/catalogo-2015/2015_CADERNO_A_TEMPO_HISTORIA_EM_ARTE_E_DESIGN_VOL_2.pdf> . Acesso em: 25, jul. 2023.


Notas de rodapé

[1] Professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU USP), no Departamento de Projeto e no Programa de Pós-graduação em Design. Graduada em Comunicação Visual (Desenho Industrial) pela FAAP (1984), Mestre (1997) e Doutora (2022) em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP.

[2] Professor aposentado do Departamento de História da Arquitetura e Estética do Projeto e professor no Programa de Pós-graduação em Design (FAU USP) e membro do Conselho de Orientação Cultural do Museu da Casa Brasileira. Graduado em Desenho Industrial pela UFRJ (1985), Mestre em Artes Visuais pela UFRJ (1998) e Doutor em História Social pela UFF (2005).

[3] Graduado em Arquitetura (FAU USP), mestre em Linguagem e Educação (USP) e doutor em Design e Arquitetura (USP).

[4] Graduada em Letras Português e Italiano (FFLCH USP), pós-graduada Lato sensu Especialização em Design Editorial (Centro Universitário SENAC de São Paulo) e mestre em Design (FAU USP).

[5] Técnica em Comércio Exterior (Colégio Visconde de Porto Seguro), graduada em Design de Interfaces e Comunicação (FACAMP) e mestre em Letras com ênfase em Cultura Japonesa (PPGLLCJ USP), atualmente doutoranda na Universidade Kyoto.

[6] Graduada em História (USP) e mestre em História Social (USP).

[7] Graduada em Comunicação Visual (Fundação Armando Álvares Penteado), mestre em Arquitetura e Urbanismo na área de Estruturas ambientais urbanas (USP) e doutora em Design na linha de pesquisa Design: Processos e Linguagens  (USP).

[8] Graduada em Artes Visuais com ênfase em Design (PUC Campinas) e em Design (FAAL), mestre em Artes Visuais (UNICAMP) e doutora em Artes Visuais (UNICAMP).

[9] Graduado em Educação Artística – Artes Plásticas (USP), mestre e doutor em Comunicação e Semiótica  (PUC SP, ambos)

[10] Graduado em Desenho Industrial (Faculdade de Artes Plásticas da Fundação Armando Alvares Penteado), especialista em Design Gráfico e Humanidade (Centro Universitário Maria Antonia), mestre em Educação, Arte e História da Cultura (Universidade Presbiteriana Mackenzie), doutor em Design pela (FAU USP).

[11] Graduada em Arquitetura e Urbanismo (PUC Campinas), Especialista em Design Gráfico (SENAC Campinas), mestre em Design e Arquitetura e doutora em Design na linha de pesquisa Design, Processos e Linguagens (ambos FAU USP).

[12] Graduado em Arquitetura e Urbanismo (USP), mestre em Arquitetura e Urbanismo (USP) e doutor em Design (USP).

[13] Professor no Programa de Pós-graduação em História da Arte da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Instituto de Artes) e pesquisador visitante na Freie Universität Berlin. Atua também como curador independente. Graduado em Sociologia (Johns Hopkins University, EUA), Mestre em Artes Visuais (UFRJ), Doutor em História da Arte (University Of London Courtauld Institute Of Art, Grã-Bretanha).

[14] Professora do Departamento Acadêmico de Desenho Industrial e do Programa de Pós-Graduação em Tecnologia e Sociedade na UTFPR. Graduada em Desenho Industrial Projeto de Produto (UFPR), mestre em Tecnologia e Sociedade (UTFPR) com doutorado Interdisciplinar em Ciências Humanas (UFSC).

[15] Professora aposentada do Instituto Europeu de Design e da Escola Escola Eina, Barcelona. Presidente da Design History Foundation. Graduada em Desenho Industrial na Escola Eina e em História da Arte pela Universidade de Barcelona. Pós-graduada em Design e Acessibilidade pela London College of Furniture e doutora pela Universidade de Barcelona.

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