Histórias do Design na Ásia
O presente texto tem como objetivo traçar um breve panorama a respeito das produções do designer gráfico japonês Tadanori Yokoo. Considerado uma das maiores personalidades do design gráfico no Japão, seus trabalhos de caráter disruptivo e contrários aos preceitos modernistas do design japonês, expõem a singularidade de suas obras, ao mesmo tempo que retratam uma história do design na Ásia que é tida muitas vezes como passiva em relação às influências modernistas ocidentais. Desse modo, apresentamos aqui os estilos de influência e algumas características breves presentes nos posters desenvolvidos por Yokoo, de forma a contribuir para estudos futuros sobre este e outros designers fora do eixo eurocêntrico e anglocêntrico do design mundial.
Tadanori Yokoo é um designer gráfico japonês reconhecido pelo caráter disruptivo de suas obras, sendo também artista plástico, cineasta, ator e escritor. Levando em conta sua multiplicidade como profissional, esse texto pretende apresentar uma breve trajetória do designer, estabelecendo uma relação entre suas obras e a influência de movimentos Ukiyo-e, Pop art e Contracultura.
Yokoo nasceu no ano de 1936 em Nishiwaki, Japão, é considerado um dos designers gráficos e artistas japoneses mais reconhecido internacionalmente e em 2012 teve um museu inaugurado com suas obras na província de Hyōgo, Japão. Em 1960, mudou-se para Tóquio e ingressou no Nippon Designer Center como designer assistente. Nesse período sofreu rejeição por suas obras que tinham um caráter pré-moderno em um momento que o design gráfico japonês estava voltado para o modernismo (YOKOO, 2012). Seu contato na década de 1960 com os movimentos artísticos nos EUA e personalidades marcantes da época como Andy Warhol possui uma influência notável na construção de suas obras.
Muito do que está presente na obra de Yokoo é influência de suas memórias de infância durante a Segunda Guerra Mundial. O designer relata que quando tinha 8 anos presenciava os bombardeios americanos que ocorriam quase diariamente. Segundo ele, essa experiência teve um impacto direto em sua obra:
Acho que deve ser o tom infernal daquele céu que, seis décadas depois, me estimula a pintar céus noturnos carmesim aparentemente em chamas. O tom de vermelho que frequentemente aparece em meu trabalho é um emblema da morte, mas suficientemente poderoso para jorrar vida. (YOKOO, p. 114, 2012)
Durante 1960, em seus primeiros anos de carreira, ingressou no Nippon Designer Center como designer assistente. Nesse período sofreu rejeição por suas obras que tinham um caráter pré-moderno, ou seja, um design inclinado para a influência e uso de motivos tradicionais japoneses, em um momento que o design gráfico japonês estava voltado para o modernismo (YOKOO, 2012). De acordo com Yuko Kikuchi (2011, p. 276-277), o Japão se “apropriou seletivamente de ideias ocidentais importadas em negociação com as ideias nativas do Japão.” A figura 1 apresenta um material produzido por Yokoo durante seu trabalho na Nippon, onde nota-se uma influência da corrente modernista no Japão.
Foi nesse período na Nippon Design Center (NDC) que o designer se desencantou com, o que segundo ele, era uma “estética modernista e elitista”, isso fez com que Yokoo abordasse a ideia do design como mercadoria com uma nova perspectiva. O designer tinha uma visão que o modernismo utilizado pelo design gráfico de forma comercial era algo esvaziado, que não se conectava com o público. Yokoo afirma que “encontrei dentro de mim uma resistência contra o poder dessa coisa misteriosa chamada comércio. Meu alvo ficou perfeitamente claro.” (YOKOO apud RIDGELY, 2010) Ao subverter o que aprendeu gera uma ruptura em sua postura profissional e abandona os preceitos modernistas, filiando-se a um movimento contracultural que gere uma aproximação comercial mais genuína com seu público. Quatro anos após a sua saída da Nippon começou a se envolver com artistas de vários estilos que se opunham ao modernismo, envolvendo-se com artistas underground. A figura 2 faz referência direta a esta ruptura em sua carreira.
No que diz respeito ao trabalho de Tadanori Yokoo, Almeida faz as seguintes afirmações:
Foi acusado em 1966 de, inconsequentemente, banalizar o design gráfico ao levá-lo a um nível popular e sem requinte. Ainda durante a década de 1960, Masaru Katzumie (c. 1930), influente designer gráfico e contemporâneo de Yokoo, deixara explícito seu descontentamento ao ver os pôsteres de Yokoo fazendo uso de imagens japonesas típicas e que ignoravam os ensinamentos teóricos de composição oriundas do Ocidente. (ALMEIDA, 2017, p. 159).
Pereira (1988), traz em seu livro “O que é Contracultura” diversas abordagens para delinear o movimento contracultural que marcou os anos 1960 e 1970. Sendo uma de suas características básicas “o fato de se opor, à cultura vigente e oficializada pelas principais instituições das sociedades Ocidentais”, fica claro como Yokoo, ao contrariar o modernismo japonês e ter contato direto com o movimento da contracultura nos Estados Unidos, busca inserir em suas obras o espírito contraventor de onde está inserido. As influências do Pop Art nos trabalhos de Yokoo, como: o uso de cores vibrantes e imagens da cultura popular, muito em parte do seu contato com Andy Warhol, podem ser claramente percebidas na figura 3 abaixo.
O estilo de Yokoo é atravessado tanto por influências ocidentais e orientais, ao mesmo tempo que é possível perceber uma forte presença do Psicodelismo, também a “cultura pop em seu trabalho é ironicamente traduzida pelo uso de imagens clássicas de um dos estilos visuais mais populares da história gráfica do Japão, o ukiyo-e.” (ALMEIDA, 2017, p. 162). O ukiyo-e, em tradução literal “quadros do mundo flutuante” (FALCÃO, 2018), retrata abundantemente a natureza, fauna e flora, formas femininas em alusão a formas divinas. Esse estilo é marcado por “linhas caligráficas, abstração e simplificação, além ‘do uso não convencional de formas pretas pronunciadas e padrões decorativos’ (MEGGS; PURVIS, 2009, p. 248 apud FALCÃO, 2018).
O uso direto dos elementos visuais do ukiyo-e, onde destaca-se a presença de abordagens relacionadas à beleza feminina, cenas históricas, lendas populares, natureza e erotismo. aliados ao contexto moderno de um Japão pós-guerra, imprimiu em suas obras um estilo inconfundível, retrato de um novo contexto econômico, artístico e social japonês. Na figura 4 é possível perceber os elementos que fazem alusão ao “mundo flutuante”, por meio das ondas de Katsushita Hokusai (1760-1849), bem como a representação da erotização.
Por fim, sua construção é marcada pelo uso de cores vivas, assimetrias visuais, representações cotidianas e retratos de celebridades (FERREIRA, 2022). Fica perceptível o uso de referências ao imaginário cultural japonês, como as ondas de Katsushita Hokusai, o Monte Fuji, o uso irônico do sol nascente, lendas populares, além de características dramáticas bem marcadas, típicas das peças de teatro Kabuki (ALMEIDA, 2017).
Na construção de uma história do design os apagamentos não foram poucos, privilegiou-se narrativas eurocêntricas e anglocentricas em oposição as histórias da América Latina, Ásia e África.
A intenção por trás desses pagamentos por vezes esteve ligada a intenção de reforçar narrativas, que no caso do Japão está impressa na intenção de reforçar que a adesão deste país ao estilo modernista se deu em uma aceitação total e sem resistências.
Porém, a trajetória de Tadanori Yokoo mostra que essa construção não ocorreu completamente sem embates. Sua obra autêntica desafiou os padrões ocidentais e resgatou a valorização dos símbolos e o estilo japonês, e é uma valiosa fonte de pesquisa para todos aqueles que buscam estudar e compreender um pouco da história do design na Ásia para além das lentes padronizantes ocidentais.
Referências
ALMEIDA, F. Cultura visual japonesa: a intersecção entre arte e o design gráfico. ARS (São Paulo), v. 15, n. 29, p. 146–173, 30 abr. 2017. Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/ars/article/view/122067>. Acesso em: 15 maio. 2023.
FALCÃO, Larissa C. M.. A influência do estilo tipográfico do Art Nouveau nos primeiros jornais dos imigrantes japoneses do Brasil. IN: FARIAS, Priscila; BRAGA, Marcos da Costa. (Orgs). Dez ensaios sobre memória gráfica. São Paulo: Blucher, 2018.
FERREIRA, Ruth. Ukiyo-e | Conheça a fascinante arte japonesa do período Edo – Citaliarestauro. , 21 jan. 2022. Disponível em: <https://citaliarestauro.com/ukiyo-e-arte-japonesa-periodo-edo/>. Acesso em: 10 maio. 2023
KIKUCHI, Y. Design Histories and Design Studies in East Asia: Part 1. Journal of Design History, v. 24, n. 3, p. 273–282, 1 set. 2011.
MEGGS, P. B.; PURVIS, A. W. História do design gráfico. São Paulo: Cosac Naify, 2009.
PEREIRA, Carlos Alberto M. O que é contracultura. São Paulo: Editora Brasiliense, 1988.
RIDGELY, S. TOTAL IMMERSION: THE DESIGNS OF TADANORI YOKOO. Disponível em: <https://www.artforum.com/print/201302/total-immersion-the-designs-of-tadanori-yokoo-38565>. Acesso em: 16 maio. 2023.
YOKOO, Tadanori. The Fashion Isuue. [Entrevista concedida a] Anna Sansom. Whitewall – Contemporary art and lifesyle magazine, 2012. Disponível em: <http://images.albertzbenda.com/www_albertzbenda_com/Tadanori_Yokoo_Whitewall_2012_sm.pdf>. Acesso em: 15 maio. 2023
YOKOO, Tadanori. [Entrevista concedida a] Keisuke Kagiwada. 50 Questions with Tadanori Yokoo | POPEYE Web | ポパイウェブ, 2021. Disponível em: <https://popeyemagazine.jp/en/post-22119/>. Acesso em: 10 maio. 2023.
Trabalho desenvolvido por Elizabeth Resende Carvalho (elizabethresende@ufpr.br) e Vinicius da Silva Ronsoni (vinicius.ronsoni@ufpr.br), apresentado na disciplina História Social do Design Internacional: os modernismos e os contemporâneos, do Programa de Pós-graduação em Design da UFPR, sob a orientação das docentes Cláudia R. Hasegawa Zacar e Lindsay Jemima Cresto